Os primeiros navegadores chegaram há muito tempo. Estudos geológicos e
botânicos mostram que aquela terra era coberta por florestas de árvores
grossas e palmeiras gigantes habitadas por bandos de pássaros. A costa
era rica em cardumes de peixes. Em trezentos anos eles formaram uma
população de 30 mil pessoas, ocupando uma área de 164 Km2. Como
comparação, a área, topografia e densidade populacional eram muito
semelhantes com a atual cidade de Arraial do Cabo, uma cidade da Região
dos Lagos, da costa do Estado do Rio de Janeiro. Muito parecido, só que
há pouco mais de mil anos atrás.
Por algum determinismo voluntário, eles escolheram manifestar sua
crença transcendental esculpindo monumentos que foram colocados,
preferencialmente, no limites do seu território. Para o transporte
dessas pesadas manifestações do pensamento humano, eles precisaram de
troncos de árvores. Ao longo dos anos, as árvores foram sendo
sacrificadas em homenagem à comunicação dos homens com o universo.
Quinhentos anos depois da chegada ao novo lar, as florestas morreram.
Sem árvores, os navegadores ficaram sem transporte marítimo. A
decadência foi contínua e implacável. Sem a proteína dos peixes, a
população se alimentou dos pequenos mamíferos, até que só sobraram os
ratos. Os clãs entraram em guerra e o canibalismo se tornou rotina.
Oitocentos anos depois, em 1722, os holandeses encontraram menos de 2
mil pessoas famintas, se escondendo e sobrevivendo como podiam em uma
terra pobre em vegetação. Mas ao redor da ilha havia quase 900
impressionantes esculturas, algumas com 20 metros de altura. Jacob
Roggeveen chegou em Rapa Nui no domingo da Páscoa e não conseguiu
entender como aqueles magníficos moais foram construídos. Teriam aqueles
pobres coitados a capacidade de tamanha façanha?
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Ilha de Páscoa (Imagem: Ian Sewell/ Wikimedia) |
A história dos habitantes da Ilha da Páscoa, o local mais isolado do
planeta, talvez seja uma metáfora a ser respeitada, se aceitarmos a
ideia de compará-la com a Terra. Jared Diamond, o biólogo que conquistou
o prêmio Pulitzer, oferece cinco fatores que os cientistas listam como
causas possíveis para o colapso de civilizações que deixaram de existir.
Como Rapa Nui, nós terráqueos não sofremos ataques de sociedades
planetárias vizinhas hostis. Nem perdemos o apoio de outras sociedades
intergalácticas amistosas. Embora caminhando para isso, ainda não
sofremos uma mudança climática drástica e irreversível que nos elimine
definitivamente.
Porém, estamos brincando com as duas outras possíveis causas. Estamos
aceleradamente gerando impactos ambientais que podem se tornar tão
calamitosos como os da ilha da Polinésia oriental. Este seria o quarto
fator. A quinta causa é o assunto desse artigo. É a capacidade de ficar
inerte diante de posições política, religiosa, social ou cultural
radicais que impeçam qualquer atitude de mudança. Essa característica de
imobilidade diante da necessidade de adaptação sustentável é que
destrói o futuro de países ou de empresas. É o famoso conceito da
seleção natural de Charles Darwin: sobrevive quem consegue se adaptar.
"Não há nada que possa acontecer que não seja um eco do passado clássico"(Robert Epstein, historiador militar norte-americano)
O que está acontecendo hoje na Grécia não é novo. Já foi escrito e
encenado milhares de vezes no drama humano da dissimulação do poder. O
governo tanto não conseguiu fazer as mudanças impostas pelos antigos
credores, como criou descaradas mentiras contábeis para esconder o fato.
Para piorar, o partido que afundou o país pode voltar ao poder nas
eleições nesse ano de 2012. Cada parlamentar grego custa à nação quase o
dobro de um parlamentar alemão. Aqueles parlamentares gregos prometeram
benesses públicas com um dinheiro que nunca existiu. Para complicar, um
quarto dos gregos são funcionários públicos. Talvez por isso, poucos
gregos aceitam qualquer mudança da situação crítica que ameaça a
estabilidade do país e do continente europeu.
Os eleitores querem mudanças rápidas e ficam perdidos diante das
pífias opções. Mas não é somente o povo grego que não sabe o que fazer.
Os economistas também se dividem entre um longo e dolorido plano de
austeridade ou, ao contrário, uma injeção saneadora de investimentos
para não matar o paciente terminal. Os gregos não querem assumir o
sofrimento da cura e estão brigando para manter as conquistas pessoais.
Os antigos helenos demoraram a formar a nação grega, embora estivessem
unidos na antiguidade pela língua, religião e, principalmente pela
cultura. Eles estabeleceram os princípios da justiça e da liberdade
individual, as bases da democracia contemporânea e nos ofereceram uma
herança ímpar na ciência, filosofia e arte.
Pois esse povo historicamente experiente está esperneando, como um
adolescente, diante das mudanças que são inevitáveis, ficando ou não na
zona do euro. A Grécia não está querendo se adaptar e acharam um
culpado, a Alemanha. A imprensa grega chama a administração Merkel de
"Quarto Reich", comparando-a ao Terceiro Reich de Hitler, que invadiu e
queimou a Grécia. As bandeiras alemãs são queimadas nas manifestações
populares, quando a multidão grita "Fora os nazis". Preferem culpar os
outros, mesmo com uma herança crônica: o país mais endividado da zona do
euro, com cinco calotes da sua dívida, com evasão de impostos em 30% e
uma triste história de 60 anos tecnicamente quebrados. Em algum momento
no passado, algum grupo em Rapa Nui atribuiu a decadência da ilha à
insensível vontade divina.
Não existe alternativa a não ser a permanente transformação
Em janeiro de 2012, a Kodak pediu ao governo
norte-americano proteção contra a falência, depois de uma impressionante
história de mais de 120 anos. Com um início inovador, "Você aperta o
botão e nós fazemos o resto", a empresa se esqueceu da sua promessa
inicial. Enquanto a Kodak entregou um processo cultural de registro de
imagens, os consumidores corresponderam. Justamente por causa dessa
cultura investigativa, um funcionário da Kodak inventou o primeiro
equipamento digital de captação de imagens em 1975. Ao invés de se
adaptar aos novos tempos, a Kodak engavetou o invento com o receio de
destruir o seu negócio de filmes. Pois os filmes morreram, como as
palmeiras de Rapa Nui. Para a Kodak, a queda foi mais rápida.
Pois agora, a velocidade é muito maior. O colapso, que demorava
séculos para acontecer, diminuiu para poucos anos. As novas empresas de
tecnologia enfrentam sérios problemas de adaptabilidade em uma
velocidade estonteante. Nesse início de 2012, as empresas Nokia, HP,
Yahoo! e RIM estão com problemas sérios. A Nokia, que conseguiu se
transformar de uma fábrica de papel em uma gigante da telecomunicação,
perdeu 40% de valor de mercado desde 2011. A tradicional HP, uma
inovadora do Vale do Silício da década dos 30, também perdeu 40% do seu
valor em um ano. O Yahoo! caiu 15% e a RIM, que foi líder em mobilidade
corporativa, perdeu mais de 70% em um ano. Nem a tecnologia ou o
capitalismo são a solução, mas as atitudes de adaptabilidade.
Nações ou empresas não conseguem criar uma permanente cultura de
mudança e adaptação. As desculpas são variadas e esbarram sempre na
paralisia do medo da mudança. Diretorias costumam preferir a mudança
gradativa o que é uma ilusão traiçoeira. A procura pela segurança cria
muros fantasiosos de estabilidade. A única certeza é que os desafios são
eternos e precisa-se aceitar o desafio de surfar sobre as ondas fluidas
da evolução.
Mudanças são odiadas, mas inevitáveis
Todos nós experimentamos a sensação de que o
tempo está mais rápido, como se tivéssemos apertado o botão do
fast-forward da existência. Os homens de negócios se viciaram em esperar
por resultados instantâneos. As empresas de sucesso da nova economia
cresceram em velocidades exponenciais. Manchete irônica do jornal O
Globo: "A China prevê crescer 'só' 7,5% este ano" de 2012.
O capitalismo não foi inventado, simplesmente aconteceu, como uma
contínua adaptação dos negócios. O principal objetivo do capitalismo não
é aumentar a riqueza. Como qualquer projeto humano, ele segue as leis
da biologia e persegue a perpetuação da espécie. O capitalismo tem como
objetivo a longevidade das entidades capitalistas através do lucro. Ele
sobrevive às crises humanas estabelecendo conquistas de privilégios, até
depois do terremoto econômico de 2008. Nesse exato momento, uma pequena
minoria está usando sua influência política para garantir que o sistema
permaneça voltado para recompensá-los.
Não existe dúvida de que estamos diante de um impasse que nunca
existiu antes na história planetária. Quando as civilizações entravam em
colapso, a raça humana se adaptava e seguia evoluindo. Aqui e ali,
caíam populações inteiras, mas a mãe Terra era generosa e alimentava os
sobreviventes. Agora, as empresas e os países estão ameaçados pela
intolerância, ganância e imobilidade. Ninguém quer abrir mão de qualquer
coisa, de qualquer conquista ou de qualquer crença. Tendemos ser
radicalmente imóveis e inflexíveis. Desejamos que os outros mudem.
Porém, "a forma mais eficaz de gerenciar a mudança é criá-la", dizia
Peter Drucker.
Precisamos de mudanças profundas e ficamos discutindo firulas. A
crise escancarada de 2008 deveria ter sido um despertar, uma prova
comprovada de que o foco míope de lucros de curto prazo estava
destruindo o valor das empresas e dos países, por não ser sustentável.
Apesar da clareza dos argumentos, a maior parte do empresariado está
trabalhando para um retorno ao capitalismo tradicional. Somente os
descontentes querem mudar, mas como?
Ser sustentável é ser adaptável
Uma possível solução foi oferecida em fevereiro
de 2012 em um artigo sobre capitalismo sustentável, por Al Gore e David
Blood. O ex-vice-presidente e ex-sócio da Goldman Sachs criaram em 2004
um fundo de investimentos sustentável visando o longo prazo com foco
conjunto em fatores ambientais, sociais e econômicos. Eles tinham
esperança que em 2008 poderiam alavancar o negócio provando que
investimentos sustentáveis podem oferecer um retorno de lucro
maximizado. Mas 2008 foi o ano da crise.
Na sua análise, a dupla diz que a perspectiva administrativa de curto
prazo está destruindo as empresas e a economia planetária. Eles
oferecem algumas ideias para um capitalismo mais sustentável. Regular a
integração dos relatórios financeiros em uma forma condensada.
Afastar-se da orientação de lucros trimestrais. Recompensar melhor os
investidores fiéis que mantiverem suas carteiras por três anos ou mais.
Criar um alinhamento de incentivo para os gerentes e executivos ligado
ao futuro da empresa. Al Gore denuncia o malefício das transações
algorítimicas de alta frequência. "A ideia de que maior liquidez é
sempre melhor, não é verdade."
O Financial Times, comentando sobre o artigo, diz que "é difícil
evitar a conclusão de que pouco vai mudar sem a intervenção do órgão
regulador ou do governo. E as chances disso, particularmente nos EUA,
são mínimas." O jornal afirma que, se Gore e Blood desejam converter os
investidores para a sua causa sustentável, eles deveriam mostrar melhor o
desempenho superior dos investimentos de longo prazo. Em resumo, diante
de tantas incertezas, as pessoas querem provas concretas para tomar uma
decisão da mudança. Mesmo diante do abismo, queremos ser convencidos do
óbvio.
Todos nós intuimos quais atitudes tomar quando queremos emagrecer.
Sabemos que devemos comer menos e melhor. Também sabemos que aquela
batata frita não é um alimento saudável. Mas por algum mistério,
acreditamos em dietas mágicas, ou então adiamos uma mudança sobre nossa
alimentação. Como crianças ansiosas, temos dificuldades em acreditar que
as restrições de curto prazo nos oferecem um futuro melhor.
Sabemos que devemos ter atitudes mais cidadãs, pensar menos em nós
mesmos e mais no coletivo. Não deveríamos desejar mais coisas e sim
viver com coisas suficientes. Nosso materialismo deveria caminhar para o
holismo, assim como a quantidade deveria ser substituída pela
qualidade. Não adianta pensar no curto prazo, devemos nos preocupar com a
herança social, ambiental e financeira dos nossos filhos e netos. Não
adianta ficar preso aos direitos conquistados, mas temos que repensar
quais são nossas responsabilidades diante do impasse da nossa cidade e
do mundo inteiro. Nesse momento, os problemas dos outros também são os
nossos. Se a Terra não precisa dos humanos, todos nós precisamos dela.
A sustentabilidade é uma prática de adaptabilidade contínua. Na
prática, o inverso não é verdadeiro. O capitalismo se adapta e premia os
mais adaptáveis, sem se preocupar com a sustentabilidade. Pois agora,
diante de um colapso anunciado, precisa-se respeitar pelo menos um
princípio da biologia: a perpetuidade de uma espécie depende das outras.
Qualquer negócio será mais longevo se respeitar as leis da biologia.
Empresas, estados e capitalismo, adaptem-se ou o sistema econômico
morre.
"Somente abraçando a mudança poderemos moldá-la de forma a beneficiar todos nós"(Lewis Jaffe, fundador da 21th Century Networking)
Por
Rique Nitzsche
www.administradores.com.br