sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Alagoas amplia uso de precatório em pagamento de ICMS sobre importação

Pouco mais de um mês após a publicação de resolução do Senado, que unifica as alíquotas interestaduais do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para combater a guerra fiscal dos portos, Alagoas soltou decreto ampliando o benefício para as empresas que importam mercadorias pelo Estado.


Com o decreto, Alagoas dá um passo à frente não só para atrair as importações como também para disputar a arrecadação do ICMS nas vendas eletrônicas, questão que tem sido debatida principalmente pelos Estados do Nordeste.

Publicado em junho, o decreto permite pagar com precatórios o ICMS devido na importação. Como não é necessário que o precatório usado para saldar o ICMS seja do próprio contribuinte, o título pode ser comprado de qualquer empresa ou pessoa física que possua o crédito judicial contra o Estado.

O deságio na compra de precatórios chega a 60%, dizem os advogados, o que, na prática, permite abatimento em até 60% do ICMS pago na importação, mesmo sem redução de alíquota ou base de cálculo do tributo. Podem ser utilizados também os chamados precatórios alimentares. Ou seja, créditos resultantes de ações judiciais de servidores públicos contra o Estado de Alagoas.

Uma lei estadual de 2003 já havia estabelecido o uso de precatórios para o pagamento do ICMS na importação de mercadorias, mas o decreto de junho regulamenta o assunto, deixando claro que o benefício está de pé e ampliando ainda mais a facilidade, combinando o incentivo com outros oferecidos pelo Estado.

Com o novo decreto, o imposto não precisa ser pago no momento do desembaraço aduaneiro. O ICMS pode ser recolhido depois que o produto importado sair em uma venda interestadual. Com isso, a mercadoria pode ser mantida em centros de distribuição no território de Alagoas para depois ser comercializada.

O Estado também possui incentivos fiscais para a instalação de centros de distribuição em Alagoas. Segundo o governo estadual, para usufruir do incentivo as empresas, entre outras condições, precisam ter número mínimo de empregados e 80% da venda do centro de distribuição precisa ser destinada ao comércio interestadual.

O decreto também amplia o benefício ao permitir que os precatórios sejam utilizados para pagar até 95% do imposto devido nas vendas, a outro Estado, de mercadorias comercializadas pela internet ou por telemarketing. Em nota, a Secretaria da Fazenda de Alagoas diz que o decreto vai aumentar o volume de importações no porto de Alagoas. O Estado diz que, por se tratar de benefício novo, não tem dados sobre o número de empresas que solicitaram o regime especial para o pagamento do ICMS com precatórios.

“Os Estados estão tentando achar brechas e soluções para sobreviver” diz Cláudio Trinchão, coordenador dos Estados no Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), sobre a iniciativa de Alagoas. Ele diz que não analisou o texto do novo decreto, mas acredita que, a princípio, o benefício alagoano não pode ser classificado como incentivo fiscal questionável. “Não há redução de ICMS com concessão de crédito nem redução de alíquota ou base de cálculo. Na verdade, é um acerto contábil.”

Tributaristas, lembram que o decreto não faz restrição ao tipo de precatório, mas só podem ser usados créditos pendentes até 13 de setembro de 2000, ou que tenham sido resultantes de ações judiciais ajuizadas até 31 de dezembro de 1999.

Advogados, dizem que há grande volume de precatórios em negociação. Segundo eles, o benefício de Alagoas está sendo muito procurado por empresas que estudam estratégias novas, devido à unificação em 4% da alíquota do ICMS interestadual para produtos importados a partir do ano que vem. “Muitas empresas querem implantar centro de distribuição no Nordeste, e Alagoas tornou-se opção interessante, porque alia o incentivo para o centro de distribuição com a facilidade dos precatórios.”

Fonte: Valor Econômico

15 dicas para empreender

Muitos profissionais sonham em ter o negócio próprio. Quero ser dono do meu próprio nariz, afirmam. Dizem também que quem ganha dinheiro é o dono do atual negócio em que trabalham e querem trabalhar por conta para obterem lucro e terem a tão sonhada qualidade de vida.

Óbvio, quem é dono ganha mais do que quem é funcionário, mas as responsabilidades são completamente diferentes. O dono tem que se preocupar com o funcionário, as vendas, os negócios, a entrega ao cliente, resultados, mercado, bolsa, finanças, entre outras coisas. Muitas vezes, o funcionário já acha muito se preocupar com a própria carreira.
Nem todos nasceram para empreender, mas há aqueles que realmente tem o tino para o negócio e devem pelo menos tentar.
O SESCON de SP divulgou 15 dicas básicas para quem pretende se aventurar em abrir o próprio negócio/escritório. Vale a pena:

Passo a passo para o sucesso

Pensando nisso, o sindicato elaborou 15 passos que podem levar sua empresa ao sucesso e ganhar o mercado, confira a lista:
1. Identifique o negócio: antes de abrir uma empresa é importante identificar o segmento e os objetivos para trabalhar com as metas e não se perder no meio do caminho. "Buscar uma área de sua afinidade é um bom começo", aconselha Alcazar.
2. Conhecer a área de atuação: definido o rumo, é hora de obter o máximo de informações sobre o futuro investimento. Segundo o presidente da associação, observar o que a concorrência oferece, pesquisar se o segmento está saturado, se o local onde abrirá a empresa é compatível com seu público. "É importante também mapear oportunidades e dificuldades, participar de cursos, palestras e buscar capacitação sobre todas as questões que envolvem o nicho específico e o empreendedorismo em geral."
3. Plano de negócios: com o conhecimento acumulado, é preciso elaborar um plano de negócios mais claro e detalhado possível. Documentar estratégias, objetivos, metas, planos financeiros, administrativos e marketing. Ele servirá como guia para qualquer problema ou dúvida posterior.
4. Apoio da contabilidade: uma assessoria contábil no momento de abertura poderá ajudar a apontar os meios para a formalização do negócio em âmbito municipal, estadual e federal.
5. Formalização: Uma empresa informal fica de mãos atadas, sem oportunidade de crescer. Sendo assim, a formalização é mais que uma questão meramente legal, pois, a empresa poderá trabalhar sem a preocupação com fiscalização, ter acesso facilitado ao crédito e ganhar credibilidade no mercado.
6. Ponto adequado: antes da compra ou locação do imóvel da futura empresa, verifique se não há desacordo com a legislação de zoneamento da cidade ou se o "habite-se" está alinhado à atividade. Caso contrário, a empresa terá problemas para obter a licença de funcionamento.
7. Regime de tributação adequado: ao optar pelos regimes de apuração de tributos (Lucro Real, Lucro Presumido e Simples Nacional) que sejam adequados para sua empresa, você conseguirá reduzir significativamente sua carga tributária. Para a escolha, deverá considerar o custo de todos os tributos incidentes sobre a atividade, mercadorias comercializadas e despesas com salários, por exemplo. Alcazar adverte que é importante lembrar que nem sempre a melhor opção é o sistema simplificado.

8. Controles internos de gestão: ao lado da escritura contábil, a adoção de controles internos de gestão é essencial para o negócio e necessária para a boa prestação de contas ao fisco. Controle de estoque, do quadro de colaboradores, de caixa e outros auxiliam as tomadas de decisão.

9. Controle do fluxo de caixa: o fluxo de caixa precisa de atenção. Cabe ao novo empresário contabilizar os recursos que serão destinados aos impostos, ao pagamento de funcionários, décimo terceito e reserva de emergências. É preciso entender a sistemática do mercado e do nicho de atuação nas compras a prazo, sempre trabalhando com prazos que permitam que o montante das vendas entre em caixa antes do vencimento das compras.

10. Boa qualidade: investir na qualidade dos serviços ou produtos oferecidos é essencial. Por isso, um bom atendimento ao cliente fará a diferença para o consumidor voltar à sua empresa ou procurar a concorrência.

11. Profissionalização: não importa o tamanho da empresa, a prioridade é a profissionalização do negócio. Além de criar condições para mostrar confiança e crescimento, a evolução da inteligência fiscal brasileira permite inúmeras possibilidades de cruzamento de dados e exige uma postura cada vez mais séria do novo empresário.

12. O que é lucro? Utilize comparativos: fazer um orçamento trimestral ou anual será uma ferramenta importante para o empreendedor, pois permite análises e comparações mês a mês, além da adoção de medidas para que o giro de produtos e serviços possa cobrir despesas como taxas, tributos, aluguel, assessorias, entre outros. Dessa forma, o lucro líquido fica disponível para novos investimentos na empresa ou para divisão entre os sócios.

13. Invista na equipe: um time de colaboradores pode fortalecer o negócio e alavancar o lucro ou afundar a empresa. "Contrate pessoas que querem crescer, motive e ofereça treinamento. Envolva a equipe em seus objetivos e metas", acrescenta Alcazar.

14. Inquietação: um empreendedor estagnado é um tiro no pé para a empresa, pois a inquietação motiva o crescimento. "Estar atento às novidades, ao comportamento do mercado e às mudanças de hábitos dos consumidores é muito positivo".

15. Aprimoramento: investir em cursos, especializações ou até mesmo em uma graduação é o caminho para o crescimento da empresa e sua profissionalização. "É importante entender seus pontos fracos e buscar aprendizado, além de investir em conhecimento, especialmente em gestão", finaliza o presidente do sindicato. (leia na íntegra o artigo: http://www.infomoney.com.br/negocios/como-vender-mais/noticia/2530861/Veja-passos-que-levarao-sua-nova-empresa-sucesso)

Com estas dicas, um bom plano de ação e gestão na hora de executar as tarefas, o sucesso será conseqüência!

Artigo escrito por Gustavo Rocha – Sócio da Consultoria GestaoAdvBr

http://www.administradores.com.br/informe-se/artigos/15-dicas-para-empreender/65677/





quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Responsabilidade de dívida civil de pessoa jurídica nem sempre pode ser transferida para os sócios

Por unanimidade, a 1.ª Turma do TRF/ 1.ª Região negou pedido da União para incluir sócio de uma pizzaria no polo passivo da execução. A Turma decidiu que apenas em casos de abuso da personalidade jurídica ou de confusão patrimonial, os sócios podem ser responsabilizados em relação a dívidas de natureza civil das pessoas jurídicas, o que não ocorreu. O juízo de primeiro grau proferiu sentença no mesmo sentido, levando a União a recorrer a este Tribunal.

O juiz federal convocado, Marcelo Dolzany da Costa, relator do processo, apontou que o entendimento jurisprudencial desta corte e do Superior Tribunal de Justiça é que “a execução fiscal de valores devidos ao FGTS não pode ser redirecionada para o sócio-gerente da pessoa jurídica devedora, pela inaplicabilidade do art. 135, III, do CTN, sendo possível apenas nos casos em que a executante efetivamente demonstrar que a inadimplência decorre de atos praticados com culpa ou dolo, o que não restou demonstrado pela apelante no caso em comento”. (AC n. 2009.01.99.013921-0/MT – Relatora Desembargadora Federal Selene Maria de Almeida – Quinta Turma, e-DJF1 de 22.05.2009, p. 238).

A 1.ª Turma considerou os argumentos deduzidos no agravo regimental insuficientes para infirmar a decisão monocrática proferida em agravo de instrumento, uma vez que o recurso está em confronto com a jurisprudência do STJ e desta corte. Além disso, observou que não há nos autos comprovação de abuso da personalidade jurídica da agravada.

AGA 0025988-38.2012.4.01.0000/AM
http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=visualiza_noticia&id_caderno=20&id_noticia=89153

8 coisas que você precisa entender sobre pessoas para liderar equipes

Você é um gerente financeiro de uma companhia? É o vice-presidente de operações? Ou quem sabe o diretor de desenvolvimento? Não importa. No fundo, você é um gestor de pessoas. Independentemente da indústria, da empresa, ou mesmo do título do cargo, todos os gerentes são gestores de pessoas, toda gestão é uma gestão de gente.
"No primeiro instante em que um profissional se torna gerente, deixa para trás o papel de 'contribuinte individual', no qual ainda era avaliado pelo seu próprio desempenho. Competente, assume a nova função e, de uma hora para outra, passa a ser responsável por muito mais do que imaginou alguma vez produzir por conta própria. Nesse momento, sua responsabilidade passa a ser sobre toda a produção de sua equipe", comenta Pablo Aversa, sócio da Alliance Coaching.

Para o especialista em carreiras, o profissional que é responsável pelos resultados de um grupo de pessoas precisa saber algumas coisas importantes sobre gente:
Pessoas são indivíduos


Independentemente das generalizações que virão a seguir, é importante lembrar-se de que não existem duas pessoas iguais. Elas têm sonhos individuais e preocupações individuais. Suas mentes funcionam de forma diferente. Ouvem e enxergam de forma diferente. E, principalmente, são motivadas por coisas diferentes.


Pessoas são imprevisíveis

Ficam com raiva. Ficam preocupadas. Algumas vezes choram, ou gritam, ou se isolam (e ainda fazem beicinho). Não importa o quanto já tenha trabalhado com gente, você nunca vai estar completamente seguro de como vão reagir.
Pessoas são egoístas

Pessoas cuidam de si mesmas. Sabem que ninguém, nem mesmo o esposo ou a esposa, está tão preocupado com seu bem-estar quanto elas mesmas. Podem até não saber qual é a melhor forma de conquistá-lo, mas sabem muito bem o que consideram ser o melhor para elas e correm com afinco atrás disso. Algumas são melhores que outras nesse aspecto, mas pode ter certeza: todas desejam esse bem-estar.
Pessoas são generosas

Se as pessoas são egoístas, como então também podem ser generosas? Veja, são generosas porque, mesmo quando cuidam de si, trabalham de forma colaborativa para ajudar os demais a chegar lá. Elas vão correr atrás primeiro daquilo que consideram sua fatia justa, mas, tão logo conquistem seu quinhão, vão cuidar dos demais.
Pessoas são volúveis

O que funcionou na semana passada, ou mesmo ontem, pode não funcionar hoje. A recompensa ou o desafio que motivou alguém anteriormente pode não mais funcionar, simplesmente porque algo mudou no universo dela.
Pessoas são medrosas

Algumas pessoas são mais medrosas que outras. Outras escondem isso melhor. Mas todo mundo tem medo de algo. Seja o medo de perder o emprego, de parecer tolo na frente dos demais ou de não alcançar a meta pela primeira vez em dez anos, não importa: todos nós temos medos. E até que você lide com os medos delas, as pessoas vão continuar a se focar naquilo que as preocupam, em vez daquilo que você quer que elas façam.
As pessoas são um barato

A somatória das individualidades acima é o que acaba fazendo com que as pessoas sejam interessantes. E mais: isso é o que faz com que elas sejam um barato. Como gestor de gente, você nunca terá um dia chato. Alguns dias serão melhores que outros. Alguns dias vão fazer você querer gritar e espernear. Mas, com certeza, nenhum dos seus dias vai ser chato. Agora, se você não curte gente, não se envolva com gestão, pois isso vai acabar sugando todo o prazer que, de alguma outra maneira, o seu dia poderia lhe proporcionar.
Gente quer ser liderada

Como gestor de gente, você deve ir além e ser líder de gente. Se você não liderar as pessoas, alguém vai. Pode ser outro funcionário do departamento (afinal, liderança é uma habilidade, não um atributo que vem com o cargo) ou pode ser um gerente de outra área. O ponto é que, com certeza, elas vão seguir alguém e alguém será o líder delas.
"Sempre procuro lembrar meus clientes que as pessoas não podem ser empurradas muito longe ou por muito tempo, mas certamente podem ser conduzidas por um longo caminho", afirma Aversa. Para ele, é trabalho do líder ficar à frente, compartilhando uma clara visão e conduzindo sua equipe ao longo da jornada.
Em suma, para ser um gerente, o profissional deve ser um gestor de pessoas. Cada uma delas é única, da mesma forma que o executivo que ocupa a gerência também é. Portanto, é necessário encontrar o que motiva cada um dos funcionários e o que os desencoraja; usar a singularidade deles para harmonizar as habilidades disponíveis e montar um time fora de série. Mais do que isso, é importante se posicionar à frente e liderar, ou seja, ser um gestor de gente.

Por Redação , Administradores.com

http://www.administradores.com.br/informe-se/carreira-e-rh/8-coisas-que-voce-precisa-entender-sobre-pessoas-para-liderar-equipes/59000/







terça-feira, 28 de agosto de 2012

Os 5 riscos econômicos mundiais

As políticas monetárias seguidas pelos bancos centrais nos EUA, no Reino Unido, na zona euro e na China não estão a gerar os efeitos pretendidos na economia real. O mecanismo de "transmissão" está gripado. E a conjugação de políticas de austeridade e programas de ajustamento orçamental em simultâneo num vasto grupo de países, particularmente na zona euro, bem como a ameaça de uma vaga de protecionismo agravam ainda mais as previsões para o crescimento mundial e o comércio internacional.



A previsão mais recente do Fundo Monetário Internacional aponta para um abrandamento do aumento do produto mundial, com a descida da taxa de crescimento de 3,9% em 2011 para 3,5% em 2012. O comércio internacional deverá sentir uma desaceleração ainda maior: de um crescimento de 6,9% no ano passado para 3,8% este ano.



Estamos longe, obviamente, da recessão mundial de 2009, quando o produto caiu 0,7% e o comércio internacional 11%. Mas o receio de uma recaída global na recessão (double dip, na expressão em inglês) e a incerteza crescente entre os investidores sobre as respostas dos decisores políticos e dos banqueiros centrais até final do ano influencia negativamente o andamento das duas economias – a real e a financeira.



Para muitos analistas, a cimeira de ministros das Finanças do G20 no México em 13 e 14 de setembro, a cimeira europeia de 18 e 19 de outubro e o desfecho de dois momentos políticos em duas superpotências, o Congresso do Partido Comunista da China em outubro e as eleições presidenciais norte-americanas em 6 de novembro, são datas críticas.



Alguns economistas e consultores preveem que os cinco principais bancos centrais do mundo – Reserva Federal, Banco Central Europeu, Banco Popular da China, Banco de Inglaterra e Banco do Japão – intervenham concertadamente nas próximas semanas. Dois dos BRIC já sinalizaram as suas intenções. Wen Jiabao, primeiro-ministro chinês, colocou um comentário num site do governo de Beijing sinalizando que mais política monetária de "alívio" estará a caminho. No Brasil, a presidente Dilma Rousseff anunciou o lançamento de um programa de estímulos à economia de recorte keynesiano no valor de 133 mil milhões de reais (mais de 53,4 mil milhões de euros).



Neste segundo semestre, surgem cinco riscos na frente económica que a conjugarem-se marcariam negativamente o final de 2012. Um evento geopolítico grave seria a cereja no bolo. O jornal israelita "Haretz" refere que o governo de Telavive poderá estar a preparar uma operação militar cirúrgica contra o programa nuclear do Irão antes mesmo das eleições presidenciais norte-americanas.



1. REGRESSO DA CRISE ALIMENTAR?



O fantasma da alta de preços nas commodities reapareceu na cena internacional arrastando consigo a probabilidade de convulsões sociais e políticas nos países importadores mais sensíveis à evolução altista desses preços. O índice FAO – que abarca nomeadamente o açúcar, os cereais, os lacticínios, a carne e os óleos alimentares – subiu 6% em julho, depois de ter declinado nos três meses anteriores. O índice da FAO está em 213, ainda a alguma distância do pico de 238 em fevereiro de 2011. A subida deveu-se, segundo o organismo internacional, à subida de preços nos cereais e no açúcar.



Há outro índice que aponta para uma subida maior, de 9,3%, entre junho e julho, e de 12,7% nos últimos seis meses. O Commodity Food Price Index é da responsabilidade da Index Mundi e abrange os cereais, óleos vegetais, carne, pescado, açúcar, banana e laranja.



Os "culpados" imediatos do regresso deste fantasma são a pior seca desde há 56 anos nos estados do MidWest dos EUA (com influência direta no milho e na soja) que funcionam como "cesta do pão" do país e de muitos países importadores e as quebras anuais previstas para o trigo na Rússia (20%) e na Austrália (19%). Os EUA detém 53% das exportações mundiais de milho e 43% de soja. Em meados de julho, 1300 condados em 29 estados da federação americana foram declarados "áreas de desastre natural" e o Departamento da Agricultura da Administração Obama já cortou em 17% a estimativa de produção de milho para este ano.



A escassez no milho e na soja deverá afetar sobretudo a China e o México, que são importadores líquidos. A Ucrânia, por seu lado, optou por proibir a exportação de trigo, devido a má colheita deste ano, e há rumores de que outros estados do Mar Negro, que são celeiros mundiais, o façam.



Um estudo recente liderado pelo cientista James Hansen da NASA alerta que as ondas de calor – como as que se estão a observar nos EUA, na Groenlândia e no Sul da Europa – vão tornar-se mais frequentes e estão ligadas à mudança climática. Não se trata de um fenómeno esporádico.



O economista sénior da FAO, Abdolreza Abbassian, disse à Reuters que "há potencial para a situação se desenvolver como aconteceu durante [a grave crise alimentar de] 2007 e 2008". Na semana a iniciar em 27 de agosto, o fórum de Resposta Rápida do G20 poderá realizar uma teleconferência para analisar a situação do disparo recente dos preços de algumas commodities agrícolas no sentido de convocar uma reunião de emergência sobre o tema em setembro ou outubro, segundo o Food World News e a Reuters.



2. CHOQUE PETROLÍFERO EM GESTAÇÂO?



O preço do barril de petróleo voltou a dar que falar. A cotação do Brent (a variedade de referência na Europa) no mercado spot subiu de 72,21 euros em 21 de junho para mais de 91 euros em agosto. Na divisa em que o barril é faturado, subiu 20 dólares em mês e meio. A barreira dos 100 dólares foi ultrapassada a 13 de julho, mas convém referir que, na realidade, desde janeiro, a cotação do Brent só esteve abaixo de 100 dólares durante 26 dias em junho e julho. A cotação mais baixa, até à data, durante estes oito meses foi a 25 de junho quando o barril cotou a 88,68 dólares.



Alguns analistas voltam a agitar o fantasma de um novo mini-choque petrolífero, como no verão de 2008, que viu o preço do barril de Brent chegar a um máximo histórico de 143,95 dólares a 3 de julho. No entanto, depois, observou-se um choque ao contrário, com a descida do preço até menos de 30 dólares na véspera de Natal de 2008. Um exemplo de volatilidade brutal num semestre.



O que alarma os analistas é a probabilidade de convergência durante este semestre de um disparo no preço do petróleo com uma crise alimentar.



Há, no entanto, várias incógnitas em cima da mesa que poderão empurrar a trajetória do preço do barril num sentido ou no outro.



A primeira é o impacto no consumo global no caso do abrandamento económico nas principais economias do mundo se acentuar, implicando uma diminuição significativa da procura global e das importações de crude.



A segunda tem a ver com o risco geopolítico sempre presente, em particular no Médio Oriente (principal fornecedor das economias da Ásia-Pacífico), envolvendo nomeadamente o Irão e um eventual bloqueio do estreito de Ormuz.



A terceira envolve a evolução da capacidade de refinação (que em 2011 caiu em relação ao ano anterior).



3. REGRESSO DA RECESSÃO NA EUROPA



A zona euro será a primeira região do mundo a ter, este ano, uma recaída na recessão (double-dip) na ordem de uma quebra de 0,3% do PIB e o Reino Unido deverá fechar o ano estagnado (ou seja com crescimento zero), segundo admitiu recentemente o governador do Banco de Inglaterra, Marvyn King.

Quanto aos dois principais motores da zona euro, a França está estagnada há um semestre, segundo dados do Insee desta semana, e a Alemanha cresceu apenas 0,3% entre o primeiro e o segundo trimestre. No caso de França é o terceiro trimestre consecutivo em estagnação.



Em termos globais da zona euro, o PIB decresceu 0,4% no segundo trimestre em termos homólogos (em relação ao mesmo trimestre do ano anterior) e diminui 0,2% em relação ao primeiro trimestre do ano, segundo dados do Eurostat. A situação mais dramática é a da Grécia que não cresce há 14 trimestres – o país helénico vive em profunda depressão. A quebra acumulada da economia grega, desde o início da recessão no segundo trimestre de 2008, já soma mais de 17%. Portugal está há sete trimestres seguidos em recessão desde o 4º trimestre de 2010, depois de ter estado em recessão consecutiva entre o 4º trimestre de 2008 e o 4º trimestre de 2009. A queda acumulada nos últimos quatro anos é de 4,9%.



O fracasso da política monetária na zona euro seguida até à data, mesmo recorrendo a medidas "não convencionais", foi já admitido por Mário Draghi, presidente do BCE, ao falar do não funcionamento dos mecanismos de "transmissão" e da "fragmentação" ou heterogeneidade das condições de financiamento da dívida soberana na zona euro.



A disponibilização de 1 bilião (trilião, na designação americana) de euros aos bancos da zona euro (através das duas operações de LTRO a 3 anos) não se repercutiu no crédito à economia real e reforçou a "ligação simbiótica" (como diz a agência financeira Markit) entre os bancos e as dívidas soberanas. Impulsionou, também, a "fuga" para a especulação no mercado de commodities e o "parqueamento" do dinheiro dos bancos na facilidade de depósito (que, entretanto, diminui para metade a partir de 11 de julho em virtude da remuneração ter baixado para 0%) e nas contas correntes (que quase quintuplicaram a partir de 11 de julho) no BCE.



A heterogeneidade das condições financeiras tem levado a dois extremos, com países a financiarem-se com juros negativos (ou seja, os credores assumem inclusive uma perda nominal ao deter tais títulos nas suas carteiras financeiras) nos prazos curtos, e outros, os "periféricos", com os investidores a exigirem juros em máximos históricos.



Por outro lado, os ajustamentos orçamentais levados a cabo pelos governos esbarram com o disparo do desemprego e a destruição de largas faixas do tecido empresarial e a "fadiga" das reformas por parte de diversas camadas da população. Acresce o facto de este tipo de políticas de austeridade estarem a ser levadas a cabo em simultâneo em vários países, o que tem um efeito negativo em cadeia em toda a zona euro.



Finalmente, há um aspeto menos falado. Os desequilíbrios macroeconómicos "internos", dentro da zona euro, poderão agravar-se ainda mais se se confirmar que o excedente da balança de transações correntes da Alemanha superará os 6% do PIB em 2012. No ano passado foi de 5,9%. Será, em termos relativos, muito superior ao excedente da China, que deverá terminar o ano em 2,5% do PIB. O excedente comercial da Alemanha cresceu, no primeiro semestre, 18,4% em relação a período homólogo. Segundo uma estimativa do instituto alemão Ifo, a Alemanha deverá realizar, este ano, o maior excedente do mundo, na ordem dos 171,5 mil milhões de euros, à frente da China e dos países do Golfo.



As autoridades alemãs não reconhecem este excedente excessivo como um problema sistémico. Enquanto a economia chinesa está a corrigir esta trajetória, de 10% em 2007 para uma estimativa de 2,5% em 2012, a Alemanha apenas "evoluirá" de 7,4% para 6%, no mesmo período. Para muitos políticos e eleitorados esta hiper "performance" das economias exportadoras não é reconhecida como uma bomba relógio.



Entretanto, com a liderança de Mário Draghi, o BCE está a proceder a uma mudança pragmática do seu mandato. Oficialmente centrado no controlo de longo prazo da inflação na zona euro "abaixo ou próxima de 2%", como é repetido incessantemente, um segundo mandato começou a ser falado – o de mitigar o risco sistémico, o que se compreende face à dimensão e profundidade da atual recessão. Na 6ª Conferência sobre estatísticas organizada pelo banco central em abril, o título do relatório apresentado não pode ser mais explícito: "As estatísticas do banco central servindo dois mandatos separados: estabilidade dos preços e atenuação do risco sistémico".



Constantin Gurdgiev, professor no Trinity College em Dublin, admite que possa ocorrer uma "amplificação da crise" quando os investidores avaliarem os resultados da cimeira europeia de 18 e 19 de outubro, se aqueles ficaram aquém das expetativas criadas ao longo do ano.



4. INCERTEZA SOBRE OS EUA



Ben Bernanke, o presidente da Reserva Federal (Fed), já admitiu que poderá haver uma revisão do intervalo de crescimento para a economia norte-americana, oficialmente, entre 1,9% e 2,4%, pois a retoma "abrandou um bocado". A previsão do Bureau of Economic Analysis aponta para um crescimento homólogo de 1,5% no segundo trimestre, abaixo dos 2% no primeiro trimestre.



Gary Shilling, que nos anos da "bolha" financeira alertou para o estoiro que viria a seguir, disse recentemente que "as vendas a retalho estão a cair há três meses consecutivos". Segundo este analista, este indicador não mente: "o mesmo aconteceu 29 vezes desde que se começou a coligir dados em 1947, e em 27 dessas 29 vezes, ou já estávamos numa recessão económica ou a apenas três meses dela". Os otimistas esperarão que 2012 seja a terceira exceção à regra.



O maior fator pesando na atitude dos investidores e dos decisores empresariais nos EUA é contudo a "alta incerteza", uma frase repetida em todas as intervenções de Ben Bernanke e em todos os comunicados oficiais do Comité da Fed. Incerteza que advém dos efeitos da crise das dívidas na zona euro, além Atlântico, e do risco de um reacendimento do debate partidário no Congresso em Washington DC em torno do teto da dívida em conjugação com uma campanha eleitoral presidencial muito agressiva e o rebentar do "penhasco orçamental" (fiscal cliff). O analista Peter Cohan frisa que esses temas serão ponto assente na agenda dos Republicanos, sobretudo, agora, com "Paul Rayan como candidato a vice-presidente pela candidatura de Mitt Romney". A maioria dos analistas não dá mais de 15% de possibilidades em 2012 para a concretização de um desastre orçamental derivado do tal "penhasco". No entanto, o Congressional Budget Office (CBO) avisou que a economia norte-americana poderá contrair-se em 2013 se os cortes nos impostos da Administração Bush expirarem e os cortes automáticos na despesa forem desencadeados em janeiro próximo. Esta simultaneidade provocará um efeito recessivo.



Mas o nível de incerteza, medido pelo indicador do projeto académico Economic Policy Uncertainty, está, de novo, a subir, ainda que longe do verificado aquando da bancarrota do Lehman Brothers em setembro de 2008 ou da "guerra" do teto da dívida em agosto do ano passado, que foi levada até ao limite da paciência dos mercados financeiros.



Entretanto as bancarrotas de cidades norte-americanas sucedem-se, ainda que o processo não tenha atingido o nível dramático sugerido pela muito polémica analista Meredith Whitney. Por outro lado, dois estados da federação norte-americana – Illinois e Califórnia – encontram-se, em agosto 2012, entre os 10 países e estados com maior probabilidade de entrada em bancarrota num horizonte de cinco anos segundo o ranking da CMA DataVision.



5. INCÓGNITA SOBRE A CHINA



A China poderá ficar abaixo do patamar dos 7,5% (o que já, por si, é um recuo do objetivo político dos 8% anuais) depois das notícias sobre o comportamento das exportações. O último dado disponível aponta para um crescimento de 7,6% no segundo trimestre de 2012 em relação a período homólogo do ano passado, abaixo de 8,1% no primeiro trimestre.



Os economistas chineses esperavam que as exportações – o motor da economia chinesa nas últimas décadas – aumentassem 8,6% em julho em relação ao mesmo mês do ano passado. Apanharam com um balde de água gelada – o crescimento das exportações em julho em relação a período homólogo de 2011 foi apenas de... 1%. Em junho, tal crescimento homólogo havia sido de 8%. As exportações para a União Europeia desceram em julho mais de 16% em termos homólogos.



Este abrandamento das exportações poderá implicar que a previsão oficial, cautelosa, de 7,5% de crescimento para 2012 seja otimista, apesar de ser uma revisão em baixa do objetivo político de nunca deixar descer a taxa de crescimento abaixo do limiar dos 8% anuais. O Fundo Monetário Internacional, no entanto, mantém a previsão de 8% para este ano.



Os analistas especulam, agora, que o Banco Popular da China (BPC, o banco central) poderá avançar com nova revoada de medidas de "alívio do crédito" no âmbito da política monetária e que o governo chinês poderá desenhar mais pacotes orçamentais de estímulos. No primeiro semestre de 2012 já foram referidos estímulos orçamentais na ordem dos 123,7 mil milhões de dólares.



"A China vai ter uma aterragem suave (soft landing, na designação em inglês preferida pelos analistas), mas como tem imenso capital vai tentar ao máximo que isso não aconteça. Não creio que a nível político existam problemas de maior", diz Rui Oliveira, um português radicado em Xangai, fundador da Golden Development China.



As expetativas viram-se para o 18º Congresso do Partido Comunista que se reunirá em Outubro, onde a mudança de liderança irá decorrer e se espera uma guinada no "modelo económico" em direção a um maior peso do desenvolvimento de um mercado consumista doméstico em detrimento da política mercantilista até agora seguida.



Quanto ao Japão, a outra economia fundamental na Ásia Pacífico, os últimos dados oficiais para o 2º trimestre do ano apontam para um crescimento de 1,4% em termos homólogos, muito abaixo das previsões de 2,3%, e face a 5,5% no primeiro trimestre. O Japão vive uma situação deflacionária nos preços, com uma taxa de inflação negativa de 0,2% em junho (ou seja, os preços caíram entre junho de 2011 e junho de 2012) – o que contrasta com crescimentos do índice de preços de 2,4% para o Reino Unido e zona euro, 2,2% para a China e 1,7% para os EUA.



Inesperadamente, o Japão passou de um excedente da balança comercial de 60,3 mil milhões de iénes em junho para um défice comercial de 517,4 mil milhões de iénes em julho. Os analistas esperavam um défice de apenas 270 mil milhões de iénes.


Por Jorge Nascimento Rodrigues

http://www.administradores.com.br/informe-se/artigos/os-5-riscos-economicos-mundiais/65585/

Reestruturação de empresas: um estudo comparativo entre o direito brasileiro e o português

Resumo: o presente artigo consiste em uma breve análise do processo de revitalização de empresas introduzido recentemente em Portugal com a alteração do Código de Insolvência e Recuperação de Empresa, contraposto com a sistemática da recuperação judicial instituída no Brasil pela Lei n.11.101/05.



Palavras-chave: Falência. Recuperação Judicial. Lei 11.101/05. Código de Insolvência e Recuperação



Abstract: the following article consists of a brief analysis of company´s process of revitalization recently introduced in Portugal with the amendment of the Code of Insolvency and Enterprise Reorganization, contrasted with the process of reorganization established in Brazil by the law n. 11.101/05.



Keywords: Bankruptcy; Reorganization; Law n. 11.101/05; Code of Insolvency and Enterprise Reorganization



Sumário: Introdução. 1 Evolução histórica. 1.1 Em Portugal. 1.2 No Brasil. 2 Breves considerações acerca do processo especial de revitalização. 2.1 Síntese. 3 A recuperação judicial no Brasil. 3.1 Princípios. 3.2 Objetivos da Lei n. 11.101/05 quanto à recuperação judicial. 3.3 Sujeitos e requisitos. 3.4 Meios de recuperação. 3.5 Pedido de processamento da recuperação judicial. 3.6 Pedido de processamento. 4 Críticas. Conclusão. Referências Bibliográficas. Anexo 1.



INTRODUÇÃO



O foco do presente trabalho é a dinâmica da recuperação de empresas no Direito brasileiro enfatizando, sobretudo, a modalidade judicia, com esteio na Lei n. 11.101/05, bem como a do novo processo especial de revitalização de empresas, inserido na legislação portuguesa em 20 de abril de 2012.



Justifica-se a escolha do tema por três razões. A primeira delas é novidade do assunto em Portugal, nos moldes propostos pela 7ª versão do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE). Mesmo no Brasil, o tema é atual, visto que a nova Lei de Falência e Recuperação Judicial e Extrajudicial tem apenas sete anos. A segunda relaciona-se com a crise econômica que assola o mundo, denotando a interdependência e fragilidade da economia global e seus reflexos no mundo empresarial.



A princípio, será traçado um breve panorama evolutivo do direito falimentar e recuperacional ao longo dos últimos anos e, a partir daí, a pesquisa será desdobrada para perquirir sobre a recuperação de empresas em Portugal e no Brasil.



Em seguida, analisar-se-ão, sinteticamente, as linhas basilares da recuperação constante da legislação vigente nos dois países e, finalmente, traçar-se-á um comparativo entre ambos os processos, suscitando-se eventuais dissonâncias, oportunidade em que se fará modestas sugestões para o aperfeiçoamento dos modelos português e brasileiro.



1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA



Antes de abordar o tema proposto, é necessário que se faça uma análise da evolução do sistema concursal como um todo, partindo-se do instituto da falência para alcançar, então, o instituto da recuperação judicial.



Historicamente, conforme aponta SERRA, a primeira concepção de falência assentava-se na ideia simplista de que se tratava de mera oposição de dois sujeitos ou dois grupos de sujeitos: os credores, a quem se deveria pagar; e o falido, que deveria ser punido.[1]



Não se vislumbrava até então que a empresa[2] pudesse envolver sujeitos e interesses diversos, distintos dos interesses óbvios dos credores e devedores consubstanciados na realização do crédito. Visava-se tão somente à liquidação patrimonial, sem se atentar para outras consequências da falência da empresa.[3]



A mudança considerável na acepção do processo falimentar é sentida no período posterior à Revolução Industrial, mormente com o reconhecimento da empresa como um bem da coletividade e, consequentemente, com a introdução nos regimes da falência de institutos destinados à preservação da empresa. [4]



Realmente, conforme se explicará melhor no decorrer deste trabalho, há uma multiplicidade de interesses de outros sujeitos que gravitam na órbita da empresa. Destacam-se, por exemplo, o dos trabalhadores com a preservação dos empregos diretos e indiretos, o do Estado e entes públicos, permitindo a continuidade da arrecadação tributária e, finalmente, o interesse público no desenvolvimento econômico e na livre concorrência[5].



Mais recentemente, as Crises do Petróleo na década de 70 fizeram com que os países voltassem a se preocupar com mecanismos aptos a prevenir a crise das empresas.



Na França, desde a década de 1980, com intuito preventivo, a legislação trata de procedimentos de alerta, em alguns casos facultando e, em outros, determinando a certos sujeitos – como contador, comitê dos empregados, sócio minoritário, entre outros – que, antevendo dificuldades para uma determinada empresa, adotem providências tendentes a evitá-las ou amenizá-las. Em função desses alertas é possível instaurar um processo judicial de recuperação (redressement), no qual a empresa é colocada em investigação. Verifica-se, então, o balanço econômico e social e elabora-se um plano de reorganização[6].



Já na Itália, o instituto ligado à recuperação da empresa é a administração extraordinária, ou seja, tanto a gestão como a reorganização da atividade empresarial são orientadas e fiscalizadas por um comissário nomeado por um juiz[7].



Na Alemanha, a lei admite que o insolvente ou o administrador judicial apresente, no bojo do processo de insolvência, um plano para adimplir as obrigações, que poderá compreender ou pressupor a reorganização da empresa. Essa solução, contudo, não tem natureza propriamente preventiva, vez que a recuperação é uma opção no processo falimentar já em curso[8].



1.1. Em Portugal



Em Portugal, importa destacar que o regime falimentar era tratado pelo Código de Processo Civil, ainda sob a acepção de falência-liquidação, isto é, pura e simplesmente buscava-se pagar os credores e punir os devedores. Conforme aponta SERRA, os Decretos-lei n. 177/86 e 10/90 introduziram, ainda que de modo incipiente, respectivamente, o processo especial de recuperação da empresa e de proteção de credores[9].



Com a entrada em vigor do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e Falência (CPEREF), nota-se o avanço da concepção de falência, já com intuito saneador, eis que também previsto um processo de recuperação de empresas, mas prioridade sobre a falência[10].



Estudar-se-á adiante que nem toda empresa merece ou deve ser recuperada, mas o fato é que contrariamente ao CPEREF, o advento do Código de Recuperação e Insolvência de Empresa (CIRE), aprovado pelo Decreto-Lei n. 53/04, em substituição ao diploma anterior, eliminou o primado da recuperação ao disciplinar que o único processo admissível é o da insolvência, sendo a recuperação uma das suas finalidades, in verbis:



“Artigo 1º:



Finalidade do processo de Insolvência



O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a liquidação do patrimônio de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência, que nomeadamente se baseie na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente. (Segundo a 6ª versão do CIRE, alterado pelo DL n.º 185/2009, de 12/08.)” (GRIFOU-SE)



Com efeito, parece que rebaixar a recuperação de empresa a uma mera possibilidade dentro do plano de insolvência a tornava carente de eficiência prática. E assim é, porque, até então, a aprovação de tal plano pressupunha o trânsito em julgado da sentença da declaração de insolvência, o esgotamento do prazo para impugnar a lista de credores reconhecidos e a realização da assembleia de apreciação do relatório. É isso que se infere da leitura do art. 209, n. 2, do CIRE, inserido no Capítulo II, cujo título é “Aprovação e Homologação do Plano de Insolvência”, ora transcrito:



“Artigo 209º.Convocação da assembleia de credores



(...) 2 - A assembleia de credores convocada para os fins do número anterior não se pode reunir antes de transitada em julgado a sentença de declaração de insolvência, de esgotado o prazo para a impugnação da lista de credores reconhecidos e da realização da assembleia de apreciação de relatório.”



Recentemente, com a alteração sofrida no CIRE, introduzida pela Lei n. 16/2012, de 20 de abril de 2012, criou-se o processo especial de revitalização, tratado nos artigos 17º-A a 17º-I, cuja análise será tratada no item 2.



2.2. No Brasil



Em linhas gerais, era costumeiro na época do Brasil Império, que comerciantes que enfrentassem dificuldades financeiras renegociassem as dívidas com seus credores amigavelmente. Essa prática corriqueira desencadeou o surgimento do Decreto n. 3.308/1864, que reconhecia a validade de tais acordos e estabelecia requisitos para seu devido cumprimento. Contudo, no ano seguinte, o Decreto n. 3.516/1865 passou a vedar os pactos extrajudiciais para recomposição de dívidas, sendo apenas em 1890, com o Decreto n. 917/1890, reestabelecida a permissão da concordata extrajudicial[11].



Em decorrência das inúmeras fraudes provocadas pela concordada extrajudicial, novamente, em 1908, tornou-se a proibi-la. A vedação perdurou inclusive após a entrada em vigor da Lei n.7.661/45, que regulamentou o processo falimentar por cerca de sessenta anos[12].



Muito embora tenha estado em vigor por tempo considerável, referido diploma legal não cumpria o papel a que se propunha, eis que na prática não se recuperava a empresa e, não raro, a demora na tramitação do processo ocasionava prejuízos irrecuperáveis, porque, quando os bens remanescentes eram levados à praça, deparava-se com a sua total depreciação.



A mudança no cenário do tratamento jurídico da falência no Brasil iniciou-se com a promulgação da Constituição Federal de 1988, que consolidou o princípio da preservação da empresa, pois, na medida em que esta permanece no exercício de suas funções sociais, constitui-se como a principal forma de dar eficácia a diversos outros princípios, além de concretizar a finalidade constitucional da ordem econômica, ou seja, a de assegurar a todos uma existência digna[13].



Assim, a função social traduz-se na obrigação que assiste à empresa de colocar-se em concordância com os interesses da sociedade a que serve e por quem é servida. As decisões adotadas têm repercussão que ultrapassam em muito o objeto estabelecido em estatuto e são projetadas na vida da sociedade como um todo[14].



Por fim, a Lei n.11.101/05 revogou o Decreto-Lei n. 7.661/45, passando a regular a falência do empresário e da sociedade empresária, a recuperação judicial e a extrajudicial.



2. BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DO PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO[15]



2.2. Síntese



Como já dito, o Código de Insolvência e Recuperação de Empresa português passou por recentíssima alteração com a publicação Lei n. 16/2012, de 20 de abril de 2012, a qual criou o processo especial de revitalização, tratado nos artigos 17º-A a 17º-I.



Acredita-se que o legislador português objetiva conferir mais celeridade aos processos de insolvência e, por isso mesmo, torná-los mais eficientes. Ademais, parece restar clara a opção pela preponderância da recuperação em face do processo falimentar. Nesse sentido, a primeira reflexão a ser feita diz respeito ao art. 1º, do CIRE, contrapondo-se à versão anterior supratranscrita.



“Artigo 1.º:



Finalidade do processo de insolvência



1 - O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do patrimônio do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores.



2 - Estando em situação econômica difícil, ou em situação de insolvência meramente iminente, o devedor pode requerer ao tribunal a instauração de processo especial de revitalização, de acordo com o previsto nos artigos 17.º-A a 17.º-I.” (Segundo a 7ª versão do CIRE, alterado pela Lei n. 16/2012, de 20/04)



Nota-se que na redação anterior do referido dispositivo legal do CIRE, a finalidade do processo era a liquidação do patrimônio de um devedor insolvente, enquanto a atual redação prescreve que tal desiderato é a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência. Eventualmente, é possível que haja sobreposição de ambas as situações, isto é, satisfar-se-ão os credores com a liquidação patrimonial, embora esta não seja mais a regra. O grande desafio aqui será a identificação, diante de um caso concreto, de se a empresa é merecedora ou não da recuperação.



Introduz o art. 17º-A, do CIRE, o processo especial de revitalização segundo o qual o devedor que, comprovadamente, se encontre em situação de economia difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, estabeleça negociações com os respectivos credores de modo a concluir acordos conducentes à sua revitalização.



Para tanto é necessário que o devedor comprove que está numa situação de economia difícil, tal qual estipulada no art. 17º-B, isto é, que enfrenta dificuldades para cumprir, pontualmente, as suas obrigações, designadamente por ter falta de liquidez ou por não conseguir obter crédito.



Ademais, a insolvência deve ser iminente, mas não consumada, já que é também exigido que o devedor ateste reunir condições necessárias para a sua recuperação.



O art. 17º-C, do mesmo Diploma, elenca os requisitos para o requerimento do processo especial de revitalização. Assim, o processo inicia-se pela manifestação de vontade escrita do devedor e de, pelo menos, um dos seus credores, com vistas à aprovação de um plano de recuperação. Tal declaração deverá ser datada e assinada por todos os subscritores e, em seguida, o devedor deverá:



1) comunicar que pretende dar início às negociações conducentes à sua recuperação ao juiz do Tribunal competente para declarar a sua insolvência, devendo este nomear, de imediato, o administrador judicial provisório.



2) em seguida, deverão ser remetidas ao Tribunal as cópias dos documentos elencados no art. 24º, do CIRE, as quais ficarão à disposição na Secretaria para consulta dos credores, enquanto perdurar o processo.



Já o art. 17º-D, ocupa-se da tramitação do processo, dispondo que o devedor, após ter tomado ciência do despacho que nomeia o administrador judicial, deve comunicar logo, e por carta registrada, a todos os seus credores que não tenham subscrito a declaração já mencionada, convidando-os a participarem das negociações em curso.



Os credores disporão de vinte dias, contados a partir do despacho que nomeia o administrador, para reclamar créditos. As reclamações serão analisadas pelo administrador provisório que terá cinco dias para elaborar uma lista provisória de créditos. A lista será então publicada e, em não sendo impugnada, converter-se-á em definitiva.



Os declarantes, bem como qualquer credor que resolva participar das negociações, dispõem de prazo de dois meses para concluí-las, podendo este prazo ser prorrogado por uma só vez e por apenas um mês.



Dispõe o mesmo art. 17º-D que, durante as negociações, o devedor deverá prestar toda informação pertinente aos seus credores e ao administrador judicial, sob pena de ser civilmente responsabilizado. Também os administradores do devedor poderão ser solidariamente responsáveis pelos prejuízos advindos da falta ou incorreção de alguma informação.



Quantos aos efeitos, dispõe o art. 17º-E que o despacho que nomeia o administrador judicial obsta à instauração de quaisquer ações para cobrança de dívidas contra o devedor e, enquanto perdurarem as negociações, suspendem-se as ações em curso com igual finalidade, extinguindo-se estas logo que seja aprovado e homologado o plano de recuperação. Este talvez seja o principal atrativo do processo especial de revitalização.



Já no que diz respeito à conclusão das negociações, poderá ocorrer uma de duas situações, quais sejam, a aprovação ou a recusa do plano de recuperação.



A aprovação poderá se dar por unanimidade ou não.



No primeiro caso, verificada a aprovação por todos os credores, o plano deverá ser assinado e juntado aos autos, capeando todos os documentos comprobatórios da sua aprovação, atestada pelo administrador judicial, para homologação ou recusa pelo juiz. O plano, caso homologado, passa a produzir efeitos imediatamente.



Pode ainda ocorrer a aprovação do plano de recuperação por maioria de votos. Nesse caso, considera-se aprovado se, estando presentes ou representados credores cujos créditos constituam, pelo menos, um terço do total dos créditos com direito de voto, obtiver-se mais de dois terços da totalidade dos votos e mais de metade dos votos correspondentes a créditos não subordinados. É possível que o juiz compute no cálculo os créditos que tenham sido impugnados, se houver probabilidade de tais créditos serem reconhecidos. Nessa hipótese, o juiz deve decidir pela homologação ou recusa do plano no prazo de dez dias após tê-lo recebido.



A decisão do juiz vincula a todos os credores, ainda que não hajam participado nas negociações.



É possível, ainda, o encerramento do processo negocial sem a aprovação do plano de recuperação, que poderá advir da falta de acordo, se o credor ou a maioria dos devedores concluírem antecipadamente que não será possível alcançar um ajuste, ou, finalmente, se o prazo for ultrapassado. Recorde-se que o plano deverá ser concluído em dois meses, prorrogável por uma única vez por mais um mês.



Nessa hipótese, um desdobramento possível é que o devedor ainda não se encontre em situação de insolvência, o que acarretará o fim do processo e a consequente extinção de todos os seus efeitos. Porém, se o devedor já estiver insolvente, juiz deve declará-lo num prazo de três dias.



Ao administrador judicial compete, na mesma oportunidade em que comunica ao juiz a conclusão das negociações sem a aprovação de um plano, emitir um parecer sobre se o devedor se encontra em estado de insolvência. Se a resposta for afirmativa, o processo especial de revitalização será apensado ao processo de insolvência.



O processo especial de insolvência, conduzido em harmonia com os arts. 17º-A a 17º-G, impede o devedor de recorrer ao mesmo por um prazo de dois anos.



Por fim, se eventualmente os credores houverem, no decurso do processo, financiado a atividade do devedor, disponibilizando-lhe capital para a sua revitalização, a eles será garantido privilégio creditório mobiliário geral, graduado antes do privilégio creditório mobiliário geral concedido aos trabalhadores.



3. A RECUPERAÇÃO JUDICIAL NO BRASIL[16]



No Brasil, o sistema de recuperação de empresa é disciplinado desde 2005, pela Lei n. 11.101, que introduziu a recuperação judicial, nos arts. 47 a 74, e a recuperação extrajudicial, nos arts. 161 a 167. Ademais, a mesma lei estabelece nos arts. 168 a 178 tipos penais e as respectivas sanções aplicáveis tanto à falência, quanto às duas modalidades de recuperação, bem como um procedimento especial para recuperação de micro e pequenas empresas.



3.1. Princípios



Cumpre elencar, inicialmente, alguns dos princípios implícitos extraídos da atual Lei de Falências: a) o da preservação da empresa, como concretização do princípio constitucional da sua função social, constituindo-se a empresa em verdadeira fonte geradora de riqueza, emprego e renda; b) o da separação do conceito de empresa e de empresário, ou seja, a pessoa natural e/ou jurídica que compõem ou controlam a empresa não se confundem[17]; c) o da recuperação das sociedades e empresários, que também emerge de sua função social; d) o da retirada do mercado de sociedades ou empresários não recuperáveis, a fim de que não se promova o dispêndio de recursos financeiros e sociais com empreendimentos inviáveis; e) o da segurança jurídica; f) o da proteção dos trabalhadores; g) o da redução do custo do crédito no mercado financeiro, pois a alteração na classificação dos créditos no processo concursal deve fazer com que haja a preservação das garantias; h) o da celeridade processual; i) o da participação ativa dos credores; l) o da desburocratização da recuperação de microempresas e empresas de pequeno porte; m) o do rigor na punição de crimes relacionados à falência[18].



3.2. Objetivos da Lei n. 11.101/05 quanto à recuperação judicial



Conforme dispõe o art. 47 da referida Lei, a recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estimulo à atividade econômica.



3.3. Sujeitos e Requisitos



Dispõem os arts. 1º e 2º, da Lei n. 11.101/05, que os sujeitos da falência e da recuperação judicial e extrajudicial são os empresários e as sociedades empresárias, estando excluídos as sociedades de economia mista, as instituições financeiras públicas ou privadas, as cooperativas de crédito, os consórcios, as entidades de previdência complementar, as sociedades operadoras de plano de saúde, as sociedades seguradoras, as sociedades de capitalização e outras entidades legalmente comparadas.



Justificam-se as exclusões referidas acima dado o impacto econômico que o processo falimentar ou de recuperação traria à sociedade como um todo, tendo essas sociedades processo de execução concursal regulado em leis próprias.



Em particular, no que diz respeito à exclusão das empresas públicas e das sociedades de economia mista, os argumentos, sinteticamente, são os seguintes: a) são empresas com interesses vinculados ao governo, sobre as quais o Estado exerce o controle administrativo e diretivo; b) operam sob as regras de direito privado, mas em alguns pontes gozam de certas prerrogativas não extensíveis às pessoas privadas; c) são de capital inteira (empresas públicas) ou parcialmente (sociedades de economia mista) governamental e d) representam intervenção do Estado nas atividades empresariais, as quais, via de regra, cabem à iniciativa privada[19].



Também estão excluídas as sociedades civis de prestação de serviços relativos ao exercício de atividade legalmente regulamentada, como os escritórios de advocacia, em que vários advogados se unem e prestam serviços não individuais.



No que tange à recuperação judicial, também podem pleiteá-la o cônjuge sobrevivente, os herdeiros do devedor, o inventariante ou o sócio remanescente, conforme prescrição do parágrafo único, do art. 48.



Ademais, estabelece caput do mesmo dispositivo legal que poderá requerer a recuperação judicial o devedor que, no momento do pedido, exerça suas atividades há mais de dois anos e que atenda aos seguintes requisitos, cumulativamente: a) não ser falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença, transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes; b) não ter, há menos de cinco anos , obtido concessão de recuperação judicial; c) não ter, há menos de oito anos, obtido concessão de recuperação judicial com base no plano especial (aplicável apenas às micro e pequenas empresas) e d) não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos na referida Lei.



3.4. Meios de recuperação



O art. 50, da Lei n. 11.101/05, estabelece um rol exemplificativo de meios de recuperação que podem ser utilizados no plano, destacando-se a concessão de prazos e condições especiais para pagamento de obrigações vencidas e vincendas; a cisão, incorporação, fusão ou transformação da sociedade; a alteração do controle societário; a constituição de sociedade de credores; o aumento do capital social; a venda parcial dos bens e o usufruto da empresa.



3.5. Pedido de processamento da recuperação judicial



Já o art. 51 elenca o que deve instruir a petição inicial do processo de recuperação judicial, merece especial destaque: a) a exposição das causas concretas da situação patrimonial do devedor e das razões da crise econômico-financeira; b) as demonstrações contábeis relativas aos três últimos exercícios sociais e as levantadas especialmente para instruir o pedido; c) a relação nominal completa dos credores, com a indicação do endereço de cada um, a natureza, a classificação e o valor atualizado do crédito, discriminando sua origem, o regime dos respectivos vencimentos e a indicação dos registros contábeis de cada transação pendente e d) a relação integral dos empregados, em que constem as respectivas funções, salários, indenizações e outras parcelas a que têm direito.



A ratio legis do dispositivo ora em destaque é dotar o processo de toda documentação necessária para se estabelecer o real contorno da crise econômico-financeira da empresa que pleiteia a sua recuperação judicial. Ademais, trata-se de forma de tornar público os documentos que nortearão o plano de recuperação, acessíveis tanto para o juiz competente quanto aos demais credores e interessados, sendo também instrumento legítimo para que se verifique a viabilidade da empresa em crise.



Estando em termos a documentação exigida, o juiz determinará o processamento da recuperação judicial e, no mesmo ato, nomeará administrador judicial. Determinará também a dispensa de certidões negativas para que o devedor exerça suas atividades; a suspensão de todas as ações contra o devedor; a apresentação de contas mensais por este enquanto perdurar a recuperação judicial; a intimação do Ministério Público e a comunicação por carta às Fazendas Públicas Federal e de todos os Estados e Municípios em que o devedor tiver estabelecimento.



3.6. Pedido de processamento



O plano de recuperação constitui a mais importante peça do processo judicial, pois é nele que serão estabelecidos e apresentados argumentos que convençam tanto o juiz quanto os credores da viabilidade do procedimento. Além disso, é nele que se concretizarão (ou não, caso seja recusado) os objetivos visados pela Lei, conforme visto no item 3.2, mormente no que diz respeito à preservação da empresa e ao cumprimento da sua função social[20].



Dispõe o art. 53 que o plano de recuperação deverá ser apresentado pelo devedor em juízo em prazo improrrogável de sessenta dias da publicação da decisão que deferir o processamento judicial, sob pena de convolação em falência[21].



Quanto aos créditos trabalhistas, determina o art. 54 que o plano de recuperação não poderá prever prazo superior a um ano para pagamento dos créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho vencidos até a data do pedido de recuperação judicial. Além disso, o plano não poderá prever prazo superior a trinta dias, para o pagamento de até cinco salários-mínimos por trabalhador, dos créditos de natureza estritamente salarial vencidos nos três meses anteriores ao pedido de recuperação.



Qualquer credor poderá manifestar ao juiz sua objeção ao plano de recuperação no prazo de trinta dias contados da publicação da relação de credores. Neste caso, o juiz convocará a assembleia geral de credores para deliberar sobre o plano de recuperação. É o que se infere dos art. 55 e 56.



A aprovação do plano judicial implica na novação dos créditos anteriores ao pedido e obriga o devedor e todos os credores a ele sujeitos, sem prejuízo das garantias, observando-se que, na alienação de bem objeto de garantia real, a suspensão da garantia ou substituição somente serão admitidas com autorização expressa do credor titular da mesma.



Após a distribuição do pedido de recuperação judicial, conforme determina o art. 66, o devedor não poderá alienar ou onerar bens ou direitos de seu ativo permanente, salvo evidente utilidade, reconhecida pelo juiz, depois de ouvido o Comitê, ressalvando-se as alienações já previstas no plano de recuperação.



Ressalta-se, ainda, que o devedor permanecerá em recuperação judicial até que se cumpram todas as obrigações previstas no plano, o qual se encerrará até dois anos após a concessão. Findo tal prazo, qualquer credor poderá requerer a execução específica ou mesmo a falência, conforme prescrevem os arts. 61 e 62.



4. CRÍTICAS



1. A legislação brasileira ao referir-se à superação de situação de crise econômico-financeira valeu-se de um conceito aberto, o que parece mais acertado à finalidade da recuperação judicial ou da revitalização da empresa. A noção de situação de economia difícil, contida no art. 17º-B, do CIRE, isto é, a dificuldade séria para cumprir pontualmente suas obrigações, designadamente por falta de liquidez ou crédito, pode acarretar a demora na propositura do processo de revitalização. De toda sorte, em ambos os ordenamentos resta claro que o devedor deve atestar que reúne condições necessárias para a sua recuperação.



2. Partindo-se do princípio de que a recuperação da empresa está contida dentro do processo de insolvência português e que este poderá ter como sujeito passivo qualquer pessoa, seja ela singular ou coletiva (art. 2º, do CIRE), resta aqui caracterizada uma enorme diferença em relação ao modelo da recuperação brasileiro, em que apenas empresários[22] ou sociedades, poderão requerer falência ou recuperação, com as ressalvas explicitadas no item 3.3.



3. Aponta-se aqui o problema constatado na redação do art. 17º-C, n.3, do CIRE, isto é, enquanto se estabelecem as obrigações a serem assumidas pelo devedor que pretende valer-se do processo de revitalização, surge deslocada a determinação de que o juiz deverá nomear, de imediato, o administrador judicial provisório. Pode-se incorrer no equívoco de que a nomeação do administrador é um ato vinculado e não discricionário.



4. Questiona-se o art. 17º-F, n. 1, no seguinte aspecto: o plano de recuperação que for aprovado por unanimidade e do qual tenham participado todos os credores, ao ser remetido ao Tribunal competente, poderá ser homologado ou recusado. Ora, se o plano já é conduzido por um administrador judicial, o que por óbvio já pressupõe que este conheça os pormenores da situação econômica do devedor e ao final foi aprovado por unanimidade, parece um contrassenso a recusa judicial à homologação do plano.



5. Quanto ao processo especial de revitalização, observou-se que este se inicia pela manifestação de vontade do devedor e de, pelo menos, um dos seus credores, por meio de declaração escrita encaminhada ao Tribunal competente para sua apreciação, devendo o julgador imediatamente nomear administrador judicial.



Contudo, estabelece o art. 17º-E, do CIRE, que o despacho que nomeia o administrador judicial obsta à instauração de quaisquer ações de cobrança de dívidas contra o devedor. Acredita-se que, da maneira como dispõe a lei, o plano especial de revitalização pode ser facilmente invocado pelo devedor com intuito meramente protelatório, isto é, objetivando obstar à propositura de ações de cobrança.



Defende-se esse posicionamento pelo fato de o art. 17º-C elencar na alínea “a” do n. 3 que o juiz nomeará, de imediato, o administrador provisório e, apenas a seguir, já na alínea “b” mencionar a remessa dos documentos elencados no n. 1, do art. 24º, do CIRE.



Ademais, a conclusão do processo negocial sem aprovação do plano de recuperação só gera efeitos mais graves se o devedor já estiver em situação de insolvência. Contudo, se este não for o caso, os únicos encargos do devedor relacionam-se com o pagamento das custas processuais e com a impossibilidade de se valer do plano de revitalização nos próximos dois anos.



6. No tocante ao indeferimento da recuperação, em parte contrariamente diferente do modelo adotado em Portugal, que, como visto, só acarreta efeitos mais gravosos se o devedor já se encontrar insolvente, no Brasil, a legislação vincula o indeferimento à decretação da falência, não importando se o devedor está ou não insolvente.



Parece que, enquanto em Portugal o grande incentivo à revitalização é a possibilidade de se obstar com certa facilidade a interposição de ações de cobrança, manejando-se tal processo, no Brasil, atribui-se um ônus muito pesado aos devedores que não conseguem ter o plano de recuperação aprovado.



Acredita-se que, com isso, o sistema brasileiro torna-se vulnerável, podendo desencorajar os devedores a valer-se desse sistema ou postergar sua utilização.



Pensa-se que não deveriam ser imputados os efeitos da falência ao devedor que não tivesse seu plano de recuperação aprovado, a menos que este já estivesse comprovadamente insolvente.



Deveriam, outrossim, ser aplicados os efeitos do art. 48, da Lei n. 11.101/05, para a concessão da recuperação judicial, isto é, não ter há menos de cinco anos obtido o mesmo benefício ou, não ter há menos de oito anos obtido recuperação com base no tratamento especial conferido às micro e pequenas empresas.



Acredita-se, por fim, que o regime português andou bem nesse sentido, pois o processo especial de insolvência efetuado em consonância com os arts. 17º-A a 17º-G, ou seja, quer se tenha obtido a aprovação do plano de recuperação ou não, fica o devedor impedido de recorrer ao mesmo por um prazo de dois anos.



CONCLUSÃO



Ao se discutir a recuperação de empresas, quer seja no ordenamento jurídico brasileiro ou no português, deve-se ter sempre em mente a noção de que nem toda empresa merece ser recuperada, pois há sempre alguém a pagar por isso, seja na forma de investimentos, seja na composição de eventuais perdas.



De forma geral, o ônus da reorganização das empresas recai sobre a sociedade como um todo, porque o crédito bancário e os produtos e serviços oferecidos e consumidos ficam mais caros, vez que parte do juro dos preços se destina a socializar os efeitos da recuperação de empresas, especialmente em tempos de crise econômica.



Portanto, mesmo em atenção ao princípio da função sócia da empresa, ou aos interesses dos trabalhadores, do fisco e da sociedade, deve-se ter em vista que a recuperação de empresas pode ser tão prejudicial a estes quanto a própria insolvência.



Neste aspecto, precisa-se dotar os operadores do Direito de conhecimentos técnicos específicos para avaliarem se a recuperação é ou não viável.



Ademais, o Poder Judiciário deve ser criterioso na seleção e indicação dos administradores judiciais, pois a eles caberá analisar o histórico contábil e a situação econômica da empresa, traçando, a partir daí, o plano de recuperação. Por tudo isso, o sucesso da recuperação está intimamente relacionado à capacidade técnica do administrador judicial.


Por Mariana Candini Bastos


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segunda-feira, 27 de agosto de 2012

"Meta não é lucro imediato, mas perenidade do escritório"

Quem conhece a fama circunspecta e excessivamente formal que o Pinheiro Neto Advogados construiu em seus 70 anos de história, experimenta um alívio agradável ao conhecer o atual número 1 da sociedade. O jovial Alexandre Bertoldi, 51 anos, é o oposto da imagem sisuda da casa que dirige. Mas que as aparências não enganem. Bertoldi, que gosta de ser tratado por “Alê”, é um dos mais requisitados especialistas do país no campo da advocacia empresarial. Fusões e aquisições, principalmente.



O fundador da banca, José Martins Pinheiro Neto, chegou a receber da rainha da Inglaterra o título de cavaleiro, e se tornou um dos três brasileiros a ter o nome precedido pelo nobiliárquico "sir". Mas Bertoldi, hoje, é o retrato que o Pinheiro Neto quer. Ao festejar suas sete décadas de existência, na última terça-feira (21/8), a banca "modernamente tradicional" comemorou com um livro de Mario Prata, contando, de forma leve e divertida, os melhores momentos do futebol, da música e da política brasileira, com pitadas do que de melhor também aconteceu com o escritório ao longo da história.



Nos últimos sete anos, o Pinheiro Neto reformulou o plano de carreira dos advogados e o método de remuneração, criou uma escola interna de formação de profissionais com o auxílio de instituições como a FGV e a USP e chegou até a ter uma assessoria de imprensa externa, o que antes sempre foi barrado pelos sócios. Na esteira, vieram ações de responsabilidade social como a participação nos projetos Pomar Urbano e Associação Águas Claras do Rio Pinheiros, para recuperar as margens do rio; Parceiros da Educação, para investir em escolas públicas; Tucca, para auxiliar crianças com câncer; e Ação Comunitária, para ajudar menores carentes em favelas, entre outros.



"Nos últimos anos, o escritório ficou um pouco mais aberto. Esse foi o grande salto. Antes, era muito voltado para si mesmo. Depois, se abriu para um relacionamento externo", avalia Bertoldi. A despersonalização e institucionalização do escritório foi desejo do próprio fundador, que nos anos 1970 já pensava em sucessão, e na década de 1990 foi o primeiro a contratar uma assessoria em gestão para deflagrar a modernização da sociedade.



O atual presidente do Pinheiro Neto assumiu a direção da casa em 2005, juntamente com os sócios Celso Mori e Antonio Mendes, em uma espécie de triunvirato. Com a aposentadoria de Mendes e a posterior mudança na administração da sociedade, Bertoldi foi eleito como gestor único até 2013. Sua chegada ao comando coincide com a saída de uma das figuras mais austeras da sociedade, a prussiana Clemência Wolthers, braço direito de sir Pinheiro Neto durante anos. Ela deixou a banca logo depois da morte do chefe, em 2005.



Bom filho

Bertoldi começou a carreira no próprio Pinheiro Neto, como estagiário, até ser contratado como advogado. Deixou o escritório em 1986 para ser funcionário da Basf, na Alemanha. Até que um almoço no Brasil com José Carlos Meirelles, colega dos tempos de Pinheiro Neto — e atual sócio —, o trouxe de volta ao escritório em 1991.



"A gente encontrou o doutor Pinheiro no elevador. Depois, o Zé disse a ele que eu tinha voltado. Eu tinha acabado de chegar em casa, era um sábado, e o telefone tocou. 'Alexandre, aqui é o Pinheiro', ouvi. Quase xinguei pensando que era o Zé. Mas fui convidado para voltar", conta.



Já de volta, por suas mãos passaram o primeiro lançamento de ações de uma empresa brasileira no exterior, a Aracruz Celulose, e fusões históricas como a da Kolynos com a Colgate — primeira do país a atingir a marca de US$ 1 bilhão —, a venda do banco Excell/Econômico para o BBVA, as compras dos bancos Cidade e Boa Vista pelo Bradesco e fusões como a da LAN com a TAM.



Nesta entrevista, Bertoldi fala sobre o futuro das bancas e faz um raio-X do escritório, passando pela modernização que ajudou a implantar.



Leia a entrevista:



ConJur — O Pinheiro Neto é visto como uma grife. Muitos advogados famosos saíram daqui. Alguns formaram outras grandes bancas. O escritório é uma escola de advocacia?

Alexandre Bertoldi — Fico envaidecido. Esse é um dos nossos objetivos, que o escritório seja percebido como um lugar de formação de pessoas. Temos uma política que procura fomentar isso. A consequência natural é que os integrantes sejam assediados. O que temos para evitar a perda de talentos são três coisas: ótimo ambiente de trabalho, perspectiva de carreira e remuneração compatível com o mercado. Não significa que a gente não perca, mas é muito raro.



ConJur — O escritório paga mais do que a média?

Alexandre Bertoldi — Nossa política é estar entre os que mais pagam no mercado, dentre os escritórios comparáveis. É que a remuneração total de um advogado esteja no topo, uns 10% acima do mercado.



ConJur — O objetivo sempre foi ser um exemplo?

Alexandre Bertoldi — Isso veio do Pinheiro [José Martins Pinheiro Neto, fundador do escritório, morto em 2005]. Quem trabalha aqui sabe que ganhar dinheiro é decorrência de uma coisa bem feita. Para ele, o investimento tinha que ser feito no escritório, nas pessoas. Creio que fomos o primeiro escritório do Brasil a mandar pessoas com auxílio para estudar no exterior. Temos um programa que banca entre 100 e 120 mestrados e cursos de pós-graduação por ano. Temos quase 25 pessoas fora, com mestrado custeado por nós, e com estágio também. Todo mundo que trabalha aqui no jurídico tem expectativa. Todo ano são 7, 8, 10, 12 pessoas que nos submetem planos de estudos. Obviamente, existem critérios para a aprovação. Tem que ter três ou quatro anos de formado aqui no escritório. Aí é escalonado: quanto maior o nível na carreira, mais a pessoa recebe para ir para fora, porque a gente presume que os mais antigos tenham mais gastos, sejam casados, tenham filhos. A contrapartida é o trabalho que a pessoa vai fazer aqui na volta. Temos agora a Escola de Formação Pinheiro Neto, em que investimos muito dinheiro. São cursos internos, alguns obrigatórios para promoção. Trouxemos a FGV, a Fundação Dom Cabral, a USP, para dar cursos aqui. Não contratamos os professores, mas as instituições.



ConJur — Pelo escritório já passaram 1,5 mil advogados. Não é um número baixo para uma história de 70 anos?

Alexandre Bertoldi — Isso se deve à baixa rotatividade. Hoje temos quase 80 sócios. Não chega a 140 o número total desde a fundação. Eu estou fazendo 30 anos de escritório. Comigo há mais dois sócios. Temos 25 sócios com mais de 30 anos, outros 50 com entre 25 e 30 anos, e uns cem com mais de 20 anos.



ConJur — Qual é o turnover?

Alexandre Bertoldi — No Pinheiro Neto, 95% das pessoas são formadas dentro do escritório, começaram como estagiárias. Jamais contratamos um sócio no mercado. Todos tiveram que ser advogados e, dos que são sócios hoje, não chega a 5% os que não começaram aqui como estagiários. Tirando o turnover de estagiários — porque nessa geração tem muita gente que sai porque diz: “Ah, não quero” —, a rotatividade não chega a 6% ao ano.



ConJur — A faculdade que o candidato a estagiário cursa ainda faz diferença na hora de contratá-lo?

Alexandre Bertoldi — A gente concentra as contratações na FGV, USP e PUC. Não é que a gente não contrate de outras. Tem pelo menos dois advogados nossos que são da Unip, além dos que se formaram em outros estados. Na verdade, fazemos testes e pegamos os melhores. Talvez isso seja decorrência dos testes.



ConJur — O que se avalia ao contratar um estagiário?

Alexandre Bertoldi — No mínimo, tem que falar inglês. Também tem essa questão da postura, que a gente vê muito. Se o cara não olha no meu olho quando conversa, não contrato. Você não pode esperar que um candidato tenha grandes conhecimentos jurídicos. Por isso, avalio a pessoa. A pessoa boa se vira no que for. A gente tenta de alguma maneira identificar no candidato o perfil do escritório, porque se você andar pelos corredores daqui, vai perceber. Esperamos um certo tipo de atitude, de respeito. E isso também de quem é chefe. Não é tolerado maltratar quem está abaixo. Se alguém faz isso, entra no radar e a gente começa a prestar atenção. Desvios de conduta ou éticos não são tolerados também. A regra do escritório é o tratamento extremamente cortês e respeitoso. Não é porque você é sócio e os outros são funcionários que você tem o direito de falar o que vem à cabeça.



ConJur — Para permanecer, o estagiário tem que passar logo no Exame de Ordem?

Alexandre Bertoldi — A gente espera que as pessoas passem até o fim do primeiro ano depois da graduação. São dois ou três exames.



ConJur — E quanto ao horário de trabalho?

Alexandre Bertoldi — Já foi mais rígido. O horário oficial é entrar entre 8h30 e 9h30 e sair entre 17h30 e 18h30. Os mais novos tendem a chegar mais para as 9h30, às vezes até depois, mas em compensação ficam até muito tarde também. Outra coisa inegociável é o respeito ao horário dos estagiários, porque tem lei específica regendo o número máximo de horas que eles podem trabalhar. Isso mudou nosso modus operandi. Antes, quando o estagiário se tornava advogado, tinha mais horas de voo, estava mais pronto do que hoje. De repente, você estava fazendo uma operação, uma aquisição de uma empresa em Minas Gerais, por exemplo, e mandava o estagiário lá para trabalhar e ajudar o advogado a fazer a coleta de documentos e as avaliações. O cara ficava sete, oito dias envolvido. Chegávamos a mandar até para o exterior. Hoje em dia, isso virou tabu. Foi inclusive uma das razões de a gente insistir nessa nova escola de formação também. As pessoas hoje são promovidas com menos disposição do que alguns anos atrás. Em contrapartida, espero que eles se dediquem mais à faculdade. Antigamente, o estagiário trabalhava mais horas, mas, às vezes, se dedicava menos à escola. O fato é que a gente já se adaptou, já passou essa transição.



ConJur — Com um expediente menor como estagiário, o profissional sente o peso da carga horária quando se torna advogado?

Alexandre Bertoldi — Essa é outra coisa também. Hoje, essa transição é mais difícil, antes era mais natural. A pessoa ia ganhando a confiança do chefe, se envolvia nos casos. No fim, quando você olhava para o cara do lado, nem lembrava que ele estava há três anos aqui e ainda não era formado. Hoje em dia existe uma distinção. Estagiário é estagiário, advogado é advogado.



ConJur — Quando o estagiário sabe se será advogado?

Alexandre Bertoldi — O escritório é absolutamente institucionalizado. Todas as regras são conhecidas. Todos os funcionários sabem que a avaliação deles é em maio, com reflexo em agosto. Em todo mês de setembro começamos um processo de análise de novos sócios, que vai ser definido até dezembro. A avaliação dos advogados é em dezembro. A contratação de estagiários normalmente ocorre em duas levas maiores, mais ou menos em março e abril, e depois em setembro e outubro. Março porque, no quinto ano, nessa época, já avisamos a pessoa se ela vai ser advogada aqui ou não. Quem não é escolhido pode ficar até o fim do ano, mas já sabendo que não vai ter lugar no outro ano. Com a promoção em março, abrem-se vagas em abril. São entre 25 e 30 por ano. Mas essas datas não são um dogma. O resto é, como a avaliação uma vez por ano e a promoção de sócios uma vez por ano. As reuniões de sócios são marcadas no começo do ano. Acontece fora de São Paulo, onde passamos três, quatro, cinco dias. Todo mundo vai. Além disso, aqui todos os sócios sabem nos centavos quanto os demais ganham. É tudo absolutamente aberto. Não existe qualquer subjetivismo.



ConJur — Como funciona o controle de qualidade?

Alexandre Bertoldi — Essa é uma marca forte, uma exigência. O controle de qualidade se dá pelo envolvimento direto dos sócios nos casos. A gente tem quase 80 sócios e 350 advogados no total. Grosso modo, temos 3,5 advogados por sócio. Se tivéssemos 5, poderíamos aumentar a rentabilidade do escritório. A qualidade seria a mesma? Eu duvido. Não existe isso de o escritório crescer no número de advogados sem crescer no número de sócios. Isso tem de ser equilibrado. Temos em torno de 80 sócios, 80 advogados sêniores, 80 plenos e 96 juniores. Mantemos isso de propósito.



ConJur — Em quanto tempo o advogado vira sócio?

Alexandre Bertoldi — Tem que ter três anos de júnior, quatro de pleno e mais quatro de sênior. No mínimo, 11 anos. Quem não faz 11, nem se qualifica. Isso é inegociável, não tem jeito de o cara gênio, o novo Einstein, pular etapas. A regra é burra? É burra, mas facilita a administração do escritório.



ConJur — E quanto ao risco de perder talentos para a concorrência?

Alexandre Bertoldi — De outra forma, correríamos o risco de quem está aqui dentro ficar puto da vida porque um cara passou por cima dele. Comprometeríamos o plano de carreira. Como a gente consegue reter as pessoas? Pela possibilidade de carreira concreta. Todos veem, todos os anos, que existe a possibilidade de carreira, de se tornar sócio. Se você começa a comprometer a possibilidade de fazer novos sócios trazendo gente de fora, como vai ficar o cara que ficou aqui 11 anos como advogado e mais dois como estagiário?



ConJur — Qual é o perfil do sócio e do advogado do Pinheiro Neto?

Alexandre Bertoldi — O sócio é uma pessoa entre 35 e 45 anos, com uma formação sólida aqui, com entre 15 e 20 anos de casa e uma experiência fora. Eu sou o sétimo sócio mais antigo e tenho 50 anos, então tem só seis mais velhos que eu. Boa parte dos sócios está entre 40 e 50 anos, eu diria que 70%. Já o associado tem entre 25 e 35 anos — muita gente tem família aqui, casados, com filhos — e fala uma ou duas línguas — tem gente que fala três. Quase metade tem experiência fora e uns 60% ou 70% tem pós-graduação. Poucos são professores, uns dez. Mas isso vem aumentando. Tem quem dê aula na FGV, na PUC, no IBMEC, na USP e até no exterior.



ConJur — Como é a aposentadoria no plano de carreira?

Alexandre Bertoldi — Temos uma idade limite de retirada, que é de 66 anos incompletos. Pode ficar aqui até a véspera de fazer 66. Entre 60 e 66 anos, você pode sair e tem os benefícios, como previdência privada, plano de saúde, todo o pacote de um sócio que cumpriu o plano de carreira. Com 66, você é obrigado a sair, não pode fazer 66 aqui. Não vira nem consultor. No último ano, você tem que vender todas as cotas menos uma, e pelo nosso estatuto, quem tem só uma cota não vota em matérias com repercussão econômica, porque a pessoa já não tem tanto interesse econômico.



ConJur — O escritório planeja ter mais advogados?

Alexandre Bertoldi — Não temos como objetivo e nem política, há muitos anos, crescer por crescer. A gente acredita que o crescimento é uma decorrência do que a gente faz. O escritório não quer ser um escritório grande, quer ser um grande escritório. Todas as decisões que a gente toma são nesse sentido. Não temos contencioso de massa, não temos duas categorias de sócios, não temos duas categorias de advogados, é um plano de carreira único para sócio e para advogado, senão, a distribuição de renda interna não funciona.



ConJur — Como é feita a remuneração?

Alexandre Bertoldi — Com transparência. Alguns dogmas são inegociáveis. O cliente é do escritório e, portanto, ninguém ganha por trazer casos ou clientes. A fórmula de remuneração é 100% objetiva, com critérios de isonomia. Um pedaço do lucro é dividido igualmente entre os sócios, tanto com o que tem 20 anos de casa quanto com o que foi promovido ontem. Outra boa parcela do lucro é dividida de acordo com os níveis e todos os sócios atingem o ápice em oito anos. Então, 70% da remuneração de todos os sócios com oito anos é igual. O ideal do escritório é que não haja muita disparidade. Quando a gente vê que alguma coisa faz com que os 5% que ganham mais ganhem muito mais do que os outros, votamos algum ajuste. Isso é discutido e só entra em vigor depois. O que varia é o último terço da remuneração, que é pago de acordo com o mérito. Aí entra a questão da atuação em casos que tragam mais recebimentos. Não é trazer casos, é a performance, se trabalhou mais. Mas é totalmente aberto, não existe nenhuma ingerência humana, é uma fórmula. Todo mundo sabe quanto cada sócio recebeu, não existe nenhum ajuste. Nos últimos dez anos, tem sido assim.



ConJur — Por ser um dos escritórios de maior tradição, o Pinheiro Neto é formal no trato dos advogados uns com os outros?

Alexandre Bertoldi — Não. Aqui, todo mundo se trata por “você”, todo mundo me chama de “Alê”. Ninguém chama ninguém de doutor. As portas estão abertas sempre. O que existe aqui são alguns costumes que a gente nem percebe mais quando faz. Meus filhos comentaram outro dia — e isso vem desde que eu entrei no escritório — que quando se está esperando um elevador aqui, todos esperam que as mulheres entrem antes. Isso é muito do escritório. Ninguém faz pensando. Se um estagiário novo não percebe, na semana seguinte já faz igual.



ConJur — Pode-se dizer que o fundador José Martins Pinheiro Neto foi o primeiro a aplicar conceitos de empresa em um escritório de advocacia?

Alexandre Bertoldi — Não são conceitos de empresa. Ele trouxe o conceito de que a prestação de serviços podia ser feita de uma forma organizada e profissional, menos artesanal, vamos dizer assim. Que você, tendo certos métodos e sistemas e uma estrutura bem organizada, poderia obter resultados melhores e prestar melhores serviços. Aqui não é empresa. É claro que também não é instituição de caridade, mas muita coisa que a gente faz não é visando maximizar o lucro, mas sim a perenidade do escritório, criar uma cultura, uma tradição, o jeito de ser Pinheiro Neto. E isso requer um investimento que, se você pensar apenas no curtíssimo prazo, não faz. A gente poderia ter muito mais lucro se não pensasse que o escritório tem de estar aqui daqui a 20, 30, 40 anos e ser idealmente o melhor.



ConJur — Que efeitos a morte de Pinheiro Neto, em 2005, teve num escritório tão ligado à figura de seu fundador?

Alexandre Bertoldi — Por pensar muito no escritório no começo da década de 1990, o Pinheiro fez uma coisa que ninguém tinha feito até então no Brasil. Foi aos Estados Unidos, descobriu a melhor empresa de consultoria de escritórios de advocacia e a chamou para vir aqui. Lembro que foi a peso de ouro. Eles fizeram um trabalho como nunca tinha sido feito no Brasil. Hoje, por sinal, é a mesma consultoria contratada pelo Mattos Filho, a Hildebrand. Naquela altura, Pinheiro nem era tão velho assim, mas já pensava em como seria quando morresse. Por isso, optou pela institucionalização. Tanto é que em 2001, 2002, ele já nem estava mais envolvido na administração. Esse modelo pressupôs muito do que a gente tem hoje. Propôs-se a administração por um triunvirato, que se chamava grupo executivo, uma espécie de conselho de administração. Começou aí a institucionalização, com regras escritas e tudo mais. Esse modelo foi sendo aperfeiçoado.



ConJur — O processo de modernização já terminou?

Alexandre Bertoldi — Nos últimos anos, o escritório ficou um pouco mais aberto. Esse foi o grande salto. Antes, era muito voltado para si mesmo. Depois, se abriu para um relacionamento externo. Se você me perguntar qual é o nosso objetivo hoje, eu diria que é ser uma referência na sociedade, uma instituição que se julga parte da sociedade, que tem deveres e obrigações para com ela, que pode contribuir muito além do que na parte jurídica. Então, quando a gente faz um trabalho de adotar não sei quantas escolas, quando a gente adota um projeto como o “Pomar”, quando investe pesado na formação das pessoas, quando não transigimos e pagamos todos e quaisquer impostos, todos os nossos funcionários são contratados e todos os advogados são empregados e não mascarados como sócios, é parte disso também. Além disso, nos últimos cinco anos, mudamos os endereços dos três escritórios: Rio, São Paulo e Brasília. Mudamos também todas as regras institucionais sobre cotas e o sistema de remuneração dos sócios e associados. O escritório ficou meio sisudo, eu diria, mas o nosso objetivo é manter a tradição sendo modernos, ter um escritório modernamente tradicional. Chegar a uma posição de destaque é muito difícil, mas se manter nesse destaque por anos e anos é muito mais complicado. Tem que fazer coisas sem resultado imediato, tem que pensar no longo prazo, e você não tem certeza se está acertando.



ConJur — Como funciona a administração hoje?

Alexandre Bertoldi — Temos a assembleia geral dos sócios, que hoje são 77. Quem não vota são os sócios que estão nos dois últimos anos do plano de carreira, prestes a se aposentar. Essa assembleia decide tudo e elege o que chamamos de “sócio-gestor”, que atualmente sou eu. Fui eleito em 2005, mas era naquele modelo antigo, que funcionava em um colegiado de três pessoas, o grupo executivo. Ali estavam Celso Mori, Antônio Mendes e eu. Mas em uma reunião que a gente teve no Guarujá, decidimos que o gestor deveria ser um só. Então fui eleito para ter o mandato de três anos, que acaba em 2013.



ConJur — Tem reeleição?

Alexandre Bertoldi — Se eu quero ou se é possível?



ConJur — Os dois.

Alexandre Bertoldi — Não sei. É totalmente possível, mas vou pensar nisso no fim do ano que vem. Gosto do que faço. É preciso ter dois terços dos votos, tem de haver um consenso. Não tem como alguém se impor.



ConJur — Consegue advogar exercendo a administração?

Alexandre Bertoldi — Consigo. Procuro fazer meio a meio. Se eu não pudesse advogar, não teria aceitado. Não é que não haja trabalho para ser exclusivo, mas não acho suficiente fazer só isso. O bom é que você acaba escolhendo melhor os casos em que vai atuar.



ConJur — Em quais casos trabalhou?

Alexandre Bertoldi — Na fusão da LAN com a TAM, por exemplo.



ConJur — Nos últimos anos, o cliente mudou. Há quem não aceite mais pagar honorários por hora e ainda quem pechinche. Como manter a mesma qualidade?

Alexandre Bertoldi — Nossos clientes são empresas normalmente grandes, líderes de mercado, sofisticadas. É nossa característica trabalhar em casos mais sofisticados. Metade dos nossos clientes é de estrangeiros. Eu não diria que pechincham, porque quando vêm para cá, já sabem mais ou menos o que esperar, mas eles negociam. O tempo de o cliente aceitar passivamente os honorários que você impunha já passou. Nossa vantagem, vamos dizer assim, é que não existem grandes surpresas. O cliente pode até negociar um pouco, mas ele sabe que nós temos limites e esses limites são inegociáveis, então o Pinheiro Neto não pode pegar determinados casos. Por mais interessante que sejam, honorários especiais seriam uma desonestidade com os clientes que estão aqui faz tempo. O sistema de cobrança por hora ano a ano perde espaço para outros tipos. E não é aqui só, é em todo lugar. Para falar a verdade, essa queda nas cobranças por hora até desacelerou. Há 20 anos, 95% das cobranças eram dessa forma. Hoje, elas representam 50% ou 60%. Tem muito cliente que prefere. Cliente estrangeiro gosta muito do sistema de horas.



ConJur — Quanto da carteira de clientes é fixa?

Alexandre Bertoldi — Eu não diria fixa, mas estabilizada. Diria que 80% do trabalho do Pinheiro Neto é feito em uma carteira estável de clientes. São clientes que estão conosco há muito tempo. Temos entre 5 mil e 6 mil clientes ao todo.



ConJur — Quais áreas mais trazem receita?

Alexandre Bertoldi — O escritório tem natureza empresarial, então, a porta de entrada são as questões empresariais. Mas hoje em dia, uns 35% do faturamento vem da área empresarial pura, de 30% a 35%, do contencioso, de 20% a 25%, do tributário e 5% do trabalhista e previdenciário.



ConJur — O consultivo vai continuar superando o contencioso nas receitas? Chegará o dia em que a advocacia empresarial será exercida longe do Judiciário?

Alexandre Bertoldi — O trabalho pode sair do Judiciário, mas não deixa de ser contencioso, mesmo que ligado a uma arbitragem, por exemplo. A arbitragem ganhou muito espaço ultimamente. Nas questões fiscais, tenta-se evitar que as coisas cheguem ao Judiciário, mas o contencioso é nos tribunais administrativos. Eu diria que dois terços dos nossos casos não passam pela Justiça.



Terceira pessoa — Mas um Mandado de Segurança ou outro é inevitável.

Alexandre Bertoldi — É inevitável. O contencioso pode perder espaço na medida em que se cria a percepção de que a Justiça é tão lenta que, de repente, fazer um acordo vale a pena. Mas as ações estão tão complexas que ainda vai ter muito contencioso no Brasil, nas relações entre acionistas, entre administradores e a empresa, por exemplo. À medida que o Brasil fica mais sofisticado, a possibilidade de contencioso cresce. Veja no caso de crimes ambientais. Essas questões são quase todas contenciosas. A mudança recente do Cade [Conselho Administrativo de Defesa Econômica, que agora analisa previamente as fusões de empresas] também provocará um contencioso maior. O consultivo é mais atraente porque você consegue cobrar mais rápido, mas o contencioso está muito longe de acabar. Pelo contrário, está muito forte.



ConJur — É possível atender um cliente de forma personalizada em um escritório grande?

Alexandre Bertoldi — Ninguém vem ao Pinheiro Neto e paga o que paga para ouvir o que pode ouvir de qualquer um. Cada caso é um caso, cada contrato é um contrato. Quem diz: “Pôxa, não dá mais para inventar em termos de contrato, todas as cláusulas já foram pensadas”, precisa vir aqui e ler dois contratos de compra e venda de empresas. Em mil contratos, não vai achar dois iguais. Por outro lado, é claro que o cliente quer um tratamento personalizado, envolvimento direto dos sócios — o que aqui ele tem —, mas às vezes não dá para inventar a roda. Nesses casos, você apresenta uma coisa um pouco diferente, porque senão o cara também vai achar que não está valendo a pena. Essas diferenciações são um pouco slogan de boutique. Não é assim que funcionam as coisas. Todo mundo hoje — e não é só o Pinheiro Neto, é também o Mattos Filho, o Machado Meyer, o TozziniFreire, o Barbosa Müssnich — trabalha mais ou menos como boutique, senão você não consegue trabalho.



ConJur — As boutiques são uma tendência ou um mito?

Alexandre Bertoldi — Não sei. São advogados que, por alguma circunstância ou por alguma conjuntura, conseguem passar uma percepção de que podem agregar valor especial ao caso. São exemplos o Márcio Thomaz Bastos [criminalista e ex-ministro da Justiça] e o Leo Krakowiak [tributarista]. Se você pensar bem, todo mundo começa como boutique, mas em dois anos está com 60, 70 advogados. É o mesmo que uma loja da Channel com mil e quinhentos metros quadrados. Não é assim que funciona.



ConJur — Quanto o escritório gasta com marketing por ano?

Alexandre Bertoldi — Nada, nós não podemos fazer propaganda. É ínfimo, ridículo. Poderíamos gastar muito mais se não houvesse restrições. Para nós, marketing é fazer um caderno, canetas com o logotipo, é almoçar com o cliente. Tanto é que a gente não tem departamento de marketing. Não temos nenhuma ação organizada de marketing. O que fazemos são ações sociais, pelo incentivo fiscal, nada que reverta para o marketing.



ConJur — Essas restrições são inconvenientes?

Alexandre Bertoldi — De certa maneira protegem, já que existe disparidade muito grande de poder de fogo entre os escritórios maiores e os menores. Nesse aspecto, é possível entender por que elas existem. Por outro lado, são um pouco anacrônicas, porque estão aí há tanto tempo e não acompanharam a evolução. Elas criam uma desigualdade competitiva enorme em relação ao escritório estrangeiro, que pode fazer o que quiser, pode anunciar em uma página da Economist, pode colocar um luminoso no estádio do Manchester United que passe o nome do escritório durante o jogo para o mundo inteiro. Outra regra anacrônica é a responsabilidade ilimitada dos sócios de escritórios, enquanto que no exterior eles formam empresas, podem levantar capital em bolsa. Nós não temos como fazer isso. O que não dá para fazer é desmanchar por partes. É preciso pensar na coisa como um todo, de forma a proteger os menores. Porque se você permitisse ações de marketing, abriria as portas para uma iniquidade. Eu não gostaria, pessoalmente, que a advocacia virasse isso. Ela tem muito de grife, mas acho que ela ainda tem um quê relevante de profissão. As mudanças a serem feitas devem levar em conta que hoje os tempos são outros, mas que a advocacia é uma profissão. Eu não gostaria que você pudesse, com dinheiro e poder, fazer anúncios, diminuir a possibilidade de os menores competirem.



ConJur — A abertura do capital de escritórios em bolsa, como na Inglaterra, é o futuro?

Alexandre Bertoldi — Não, é impossível e perigoso. O acionista visa o lucro, e o lucro o quanto antes, a maximização do lucro. Esses interesses seriam conflitantes, por exemplo, com o que fazemos aqui.



ConJur — Qual é futuro da advocacia e dos escritórios? O que deve acontecer nos próximos dez anos?

Alexandre Bertoldi — Essa é a pergunta de um milhão de dólares. Mas, de certa maneira, sou pago para pensar nisso. Se você fizesse essa pergunta cinco anos atrás, boa parte das pessoas ia lhe responder que o futuro seriam as megafirmas, alianças transatlânticas, escritórios gigantes com presença global que teriam como principal vantagem competitiva o fato de o cliente ser também global e querer contratar um escritório que fizesse o trabalho no mundo todo. Mas hoje em dia não está claro se esse modelo deu certo ou se é sequer viável. Por isso, acho que não irá acontecer. Veja os problemas que grandes escritórios tiveram, como o Dewey & LeBoeuf [banca americana que iniciou processo de falência em junho]. Esses escritórios cresceram demais por meio de fusões e associações com outros escritórios. Sofreram muito na lucratividade. Acho que haverá um fortalecimento dos departamentos jurídicos internos, que vão ser não só maiores, mas mais competentes também.



ConJur — Isso tira trabalho dos escritórios?

Alexandre Bertoldi — Tira. O trabalho cotidiano diminui. Esse trabalho de dia a dia, aliás, já não é tanto para os grandes escritórios. A qualidade vai ser um diferencial. Teremos um mercado mais seletivo no futuro. Mas sempre vai haver espaço, não importa o que aconteça, para alguns escritórios de referência, que sejam reconhecidamente capazes de entregar o trabalho que o cliente espera pelo preço combinado. A única opção que os grandes têm é se tornarem cada vez melhores, mais sofisticados. O crescimento desenfreado não é uma opção. É difícil crescer e manter a qualidade.



ConJur — Os estrangeiros são uma ameaça?

Alexandre Bertoldi — Não está claro o que vai acontecer ainda. Houve um certo movimento de manada, alguns vieram para o Brasil sem saber muito o porquê, simplesmente porque outros estavam aqui. Definitivamente não há espaço para todos esses estrangeiros que estão aqui. Eu não sei o que eles estão fazendo que não poderiam fazer de Nova York. Não sei até que ponto a conta fecha. Acho que alguns vão acabar saindo independentemente do que a OAB vier a decidir. Se houvesse uma liberação, alguns procurariam até fazer um trabalho de massa aqui. Mas, apesar de o Brasil estar em um bom momento ainda, não há a euforia de um, dois ou três anos atrás. Se fosse hoje, muita gente talvez estivesse pensando se teria vindo. Além disso, os escritórios brasileiros estão muito bem preparados para a concorrência. Enquanto os escritórios estrangeiros não mostrarem que são uma opção viável de carreira para o advogado brasileiro, que oferecem as mesmas chances de ele se tornar sócio, eles não são uma ameaça. E os estrangeiros, até devido ao dólar, não pagam tão mais que os brasileiros. Os brasileiros estão pagando muito bem também.



ConJur — Se seu filho lhe dissesse que quer ser advogado, o que você responderia?

Alexandre Bertoldi — O Bernardo, de 17 anos, já fez isso. Eu respondi: “Vamos conversar melhor” (risos). O pai tem sempre aquele dilema. Você procura ficar neutro e não influenciar as decisões do seu filho, quer que ele chegue às conclusões por ele próprio, um pouco porque você acha que é parte do amadurecimento dele e um pouco porque você não quer usar a sua maior experiência, a sua retórica para convencer uma pessoa que não tem a mesma maturidade. Eu acho que cursar Direito ainda é uma das melhores opções que há, primeiro porque, nessa idade, ainda é muito cedo para você ter todas as decisões tomadas. Na faculdade de Direito, você abre um leque grande de opções. Mas meu filho certamente vai encontrar na profissão mais competição, com pessoas mais bem preparadas. Ele vai ter que ser bem melhor do que eu para conseguir o mesmo que eu consegui. Antes havia mais oportunidades, era mais fácil achar os espaços, não só em Direito, mas em tudo. Mas o que mais lamento de o Bernardo fazer Direito é que ele não pode trabalhar aqui.



ConJur — É proibido?

Alexandre Bertoldi — Sim. Ou seja, ele já não pode trabalhar em um grande escritório. Mas tem outros grandes para ele trabalhar, e na hora certa vou falar com meus amigos (risos).

Alessandro Cristo é chefe de redação da revista Consultor Jurídico  
http://www.conjur.com.br/2012-ago-26/entrevista-alexandre-bertoldi-socio-gestor-pinheiro-neto-advogados