Entre 2008 e 2012, algumas capitais, como o Rio de Janeiro e São
Paulo, experimentaram um vertiginoso aumento de preço dos imóveis e um volume
intenso de lançamentos e transações, o que foi chamado de “boom imobiliário”.
Esse fenômeno, obviamente, não foi programado. Na realidade,
derivou da conjunção de diversos fatores, como a consolidação do controle da
inflação, a redução das taxas de juros, o estímulo ao crédito, inclusive com a
solidificação de instrumentos jurídicos de financiamento imobiliário, a elevação
da renda do trabalhador brasileiro, e, ainda, o anúncio da realização de
grandes eventos no país, como a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016.
Tais circunstâncias aqueceram a economia, viabilizando a
aquisição de imóveis por pessoas físicas, para uso próprio, bem como por
investidores, que, anos antes, não teriam condições de investir ou mesmo
interesse/confiança na destinação de recursos para este segmento da economia. E
o resultado disso foi a descompressão do mercado imobiliário, gerando uma
natural elevação dos preços. Até porque, após anos de inércia e abandono, o
mercado imobiliário estava absolutamente defasado, necessitando mesmo de
reajustes nos preços dos imóveis e de significativo aumento da oferta de novos
produtos.
Adicionalmente, vale mencionar que a legislação teve um papel
importante nesse movimento. A consolidação da utilização da alienação
fiduciária nos contratos imobiliários, prevista na Lei 9.514/1997, permitiu que
toda e qualquer providência combativa ao inadimplemento fosse tomada de maneira
célere e extrajudicial. Já as normas protetivas para os adquirentes, plasmadas
principalmente no Código de Defesa do Consumidor e na Lei 10.931/2004, esta
última dispondo sobre patrimônio de afetação nas incorporações imobiliárias, conferiram
maior segurança ao mercado (a vendedores e compradores), bem como incentivos
tributários para a realização dos investimentos no setor da construção. E, mais
recentemente, com o advento da Lei 11.977/2009, instituiu-se o Programa Minha
Casa Minha Vida, mediante o qual os investimentos na construção civil voltados
para o mercado de baixa renda foram definitivamente incentivados e
incrementados.
Ocorre que, em 2011, teve início a contenção da euforia do
mercado imobiliário, especialmente em razão do estouro do orçamento de algumas
incorporadoras, que notadamente enfrentaram a falta de mão de obra, materiais e
equipamentos, acarretando o atraso na entrega de muitos empreendimentos e,
consequentemente, reduzindo o número de novos lançamentos.
Naquele momento, o mercado sinalizou que o investimento
imobiliário, com todo o seu ciclo de maturação — desde a concepção do produto,
aquisição do terreno, aprovação de projetos e obtenção de licenças, construção,
até a entrega de unidades aos adquirentes —, não poderia caminhar na mesma
velocidade das decisões e pressões típicas do mercado financeiro junto à Bolsa
de Valores. Assim, a queda no valor das ações de muitas incorporadoras acabou
se tornando o reflexo natural deste descompasso.
A verdade é que a pressão pelos lançamentos imobiliários foi
muito grande e depois, no momento da realização dos empreendimentos, não foi
possível acompanhar o mesmo ritmo. Logo, houve uma considerável diminuição na
oferta de imóveis e muitas empresas do setor reavaliaram suas estratégias e até
mesmo seus produtos.
Por outro lado, ao contrário da retração de preços e da
estagnação que marcaram a fase anterior a 2008, o pós-boom vem revelando um
equilíbrio entre os lançamentos e as vendas, bem como uma moderada elevação dos
preços, acompanhando a demanda ainda existente.
Ademais, um novo cenário vem despontando no mercado imobiliário,
através da estruturação jurídica de empreendimentos multiuso, produto este que
reúne em um único imóvel a exploração de diferentes atividades, como residencial,
empresarial, inclusive lajes corporativas, serviços e hotelaria. Essa tendência
é notada não só em investimentos nos grandes centros urbanos, mas também em
suas zonas periféricas, onde ainda existem demanda, renda e terrenos
disponíveis.
Paralelamente, há uma franca expansão de formas alternativas de funding imobiliário, como a criação de fundo
de investimento imobiliário (FII), nos termos da Lei 8.668/1993, que, através
do administrador do FII, na condição de empreendedor, locador e/ou adquirente, investe
em diversos negócios imobiliários. O FII é um condomínio fechado de valores
mobiliários, representado pelas cotas adquiridas pelos investidores, cujo
retorno do capital investido ocorre através da distribuição dos resultados da
respectiva atividade imobiliária para a qual o FII foi constituído.
Neste contexto, surgem novos desafios aos empreendedores
imobiliários e aos advogados desta área, na medida em que as atividades
imobiliárias, atualmente, vão muito além dos clássicos contratos de compra e venda
ou de locação.
Hoje, o advogado especializado em direito imobiliário, que se
propõe a atender clientes de médio e grande porte, deve conhecer muito bem as
normas que regem atividades estruturadas, como osshopping centers, os empreendimentos
multiuso e os fundos de investimento imobiliário. Além disso, é fundamental
deter conhecimento de outras áreas relacionadas, tais como aspectos ambientais,
estruturações societárias e fiscais destas operações.
Em relação aos grandes empreendedores, o mercado exige não mais
um simples volume de lançamentos. A nova ordem é buscar produtos muito bem
pensados e que atendam efetivamente às expectativas do consumidor. Neste
sentido, os produtos têm sido cada vez mais bem concebidos e estruturados. Não
basta simplesmente comercializar apartamentos, mesmo que em grandes
quantidades; torna-se necessário, por exemplo, oferecer unidades residenciais
inseridas em complexo multiuso com serviços e infraestrutura que atendam
efetivamente às necessidades daquele adquirente que, ali, muitas vezes, mora,
trabalha e vê suas necessidades básicas de consumo atendidas. Da mesma forma,
os instrumentos jurídicos de estruturação deste produto têm como maior desafio,
e mesmo principal obrigação, assegurar a harmonia do convívio destas diferentes
atividades sobre o mesmo empreendimento concebido.
Por conseguinte, a sofisticação do mercado imobiliário no
pós-boom exige um advogado que entenda não só da lei, da doutrina e da
jurisprudência, mas que também seja criativo, experiente e entenda do funcionamento
do negócio do seu cliente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário