quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Recuperação judicial e a polêmica da natureza jurídica da “trava bancária”



A finalidade principal da Lei de recuperação Judicial foi permitir que a empresa, desde que economicamente viável, possa superar uma crise financeira e reorganizar-se, preservando sua relevante função social.

Essa é a idéia central da lei. Contudo, muitas vezes não é isso que ocorre! Por ser uma lei jovem, muitas são as controvérsias dela oriundas, sendo uma das suas principais polêmicas a trava bancária. Mas o que é trava bancária? E porque existem tantas discussões sobre esse tema?

Ora, a trava bancária nada mais é do que o bloqueio por parte da Instituição Financeira de todos os valores provenientes de vendas de cartão de crédito da empresa.

Isto ocorre porque as instituições financeiras, ao concederem empréstimos às empresas varejistas, condicionam à constituição de garantia sobre as vendas realizadas em cartão de crédito e débito.

Em suma, nada mais é do que direcionar toda a venda realizada em cartão de crédito para uma conta bancária administrada pela própria instituição financeira credora, que, por sua vez, debita automaticamente o valor da prestação mensal acordada com a empresa devedora, e, na seqüência, repassa o saldo remanescente.

Para a Instituição financeira não poderia ser mais conveniente, posto que esta passa a controlar todo o fluxo de recebíveis derivados das vendas de cartão, o que praticamente a protege de eventual inadimplência.

As empresas varejistas dependem de receita oriunda do cartão de crédito para sobreviver, uma vez que dependendo do ramo de atuação, a venda através de cartões de crédito e débito representa quase a totalidade de seu faturamento.

E sendo assim, quando requererem recuperação judicial, mantém os contratos bancários prevendo a constituição de garantia sobre seus recebíveis de vendas em cartões.

A problemática que envolve a trava bancária e a recuperação judicial consiste exatamente nesse ponto, posto que com o ajuizamento do pedido recuperatório, o banco bloqueia a totalidade do faturamento da empresa, o que inviabiliza totalmente sua operação, indisponibilizando seu fluxo de caixa e por conseqüência impossibilitando sua operação.

Para justificar esta medida, os bancos defendem que não estariam sujeitos às regras da recuperação judicial, por sustentarem que seriam credores fiduciários, conforme art. 49, §3º da Lei 11.101.
Ora, muitos são os debates envolvendo este assunto entre os operadores do direito que atuam na área de recuperação de empresas. Destarte, o que não se pode negar é que as instituições financeiras interpretam a lei de forma que melhor lhes provém!

Nesse caso, as Instituições Financeiras, se detentoras de garantia de natureza fiduciária referente aos recebíveis dos cartões de créditos e débito das empresas, ficam fora do rol de credores da recuperação judicial, na qualidade de credores extra concursais.

Contudo, não se pode confundir o instituto do penhor mercantil de créditos com a alienação ou cessão fiduciária de créditos. Na realidade o que fizeram os bancos foi “adaptar” o penhor mercantil para “cessão fiduciária de créditos”. Trata-se de uma invenção jurídica, posto que a natureza jurídica do contrato é de penhor mercantil.

Corroborando com a tese aqui defendida registra-se que o TJ/RJ já possui inúmeros julgados que reconhecem a natureza pignoratícia da “trava bancária” e a necessidade de sua liberação com a finalidade de preservação da empresa, em contrapartida ao TJ/SP que inclusive já sumulou entendimento contrário.

Digno de nota são as palavras do Ilustre Desembargador Carlos Santos de Oliveira, da 9ª Câmara Cível do TJ/RJ, quando afirmou que “... o pedido de recuperação judicial da empresa agravada foi deferido, razão pela qual as instituições financeiras não podem mais reter os aludidos valores, sob pena de não fazer valer a finalidade precípua da recuperação judicial. Contrato de penhor mercantil e não de cessão de crédito celebrado entre a agravada e as instituições financeiras, motivo pelo qual as mesmas devem se sujeitar ao quadro geral de credores, em atenção ao par conditio creditorum”.

Enquanto o Supremo não se manifesta acerca da presente questão, os entendimentos se dividem (principalmente nas Cortes do Sudeste do país). Certo é que se interpretada à trava bancária como cessão fiduciária, estará se ferindo o princípio basilar da lei recuperatória - da manutenção da atividade produtiva.

Sabe-se que os bancos possuem muita força política, e não poderia ser diferente, pois fomentadores de riqueza. Contudo, a discussão em voga traz um grande paradoxo a ser enfrentado, e que poderá colocar em risco a aplicabilidade da lei, para o objetivo para o qual foi criada.

Gabriele Chimelo Pereira Ronconi
OAB/RS 70.368
Coordenadora da Área de Gestão de Crise e Recuperação de Empresas da Scalzilli.fmv Advogados & Associados.

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RS: (51) 3382-1500 / SP (11) 3231-0399

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