terça-feira, 31 de julho de 2012

A exigência de certidão negativa de débito na recuperação judicial

A idéia de recuperação das empresas, para sua manutenção no mercado contraria os princípios que nortearam a Lei de Falências, no momento que a própria lei determina a exigência da certidão negativa de débitos. 
É interessante que possa ocorrer tal contradição, mesmo porque parece que não foi propriamente seguido o mesmo norte na elaboração da lei, ou será que foi elaborada como uma “colcha de retalhos”, onde se monta em partes conforme algumas idéias, mas quando percebem o erro já é tarde. 
Fácil também de entender que a cultura do nosso povo, prega o individualismo, o protecionismo. Quando criticamos estes atos e fatos, simplesmente começamos a observar a fragilidade na produção das nossas normas, diga-se de passagem. 
Vejamos da seguinte forma; é muito mais fácil proteger os cofres públicos em primeiro lugar, pois ao passo que se exige a certidão de negativa de débitos, há de certo, um protecionismo, é claro que, visou-se desta forma dar a preferência de recebimento ao fisco, e não de facilitar a recuperação, ou mesmo prevenir a não Falência. 
O norte da Lei de Falências preza manter a instituição empresarial em funcionamento ou mesmo dificultando sua quebra, entretanto, esqueceram de verificar um pequeno detalhe: a pratica mostra que as empresas que passam por dificuldades econômicas, tem por praxe deixar de manter os impostos em dia, é a primeira providência que o administrador encontra para tentar se manter em atividade, o que é muito claro, pois este “credor” em regra não teria a prioridade na hora da “divisão do bolo”. Ao que se saiba, seria a convicção de que somente se justifique a tentativa de recuperação judicial de empresas que tenham efetiva capacidade econômica para, ainda que a longo prazo, quitar suas dívidas, com condições de ao menos parcelar os seus débitos fiscais. 
É notório que mesmo as empresas com sólido patrimônio e sem qualquer crise econômico-financeira têm enfrentado, atualmente, sérias dificuldades para a obtenção de certidões negativas, pelas mais diversas razões. 
Portanto, a não obtenção de certidões negativas de débitos pode decorrer e, em geral, decorre de variadas situações não relacionadas com a capacidade econômica da empresa ou com o seu nível de adimplência fiscal. De outro lado, chega a ser ingênua a idéia de que, simplesmente facultando-se o parcelamento mais longo dos débitos que impeçam a emissão da certidão negativa de débitos, estaria resolvido o problema. 
Deveria a nova lei fixar mecanismos que realmente possibilitassem o pagamento dos créditos tributários líquidos e certos, quiçá com a autorização para que as condições específicas dos parcelamentos fiscais fossem determinadas, de forma realmente exeqüível, no âmbito da própria recuperação judicial, na qual seria possível considerar a específica situação global de cada devedor e sua capacidade de honrar a totalidade dos compromissos assumidos. 
Uma vez que a empresa está em situação econômico-financeira difícil, e projeta-se a elaborar um plano de recuperação judicial, é porque não está conseguindo assumir as dívidas pactuadas com os credores, e, conseqüentemente, com o Fisco. Importante salientar que essa dificuldade por qual passam determinadas empresas, nem sempre decorrem de má administração ou mesmo de má-fé por parte de alguns, decorrendo, simplesmente, por uma modificação acirrada, ocorrida no mercado financeiro. 
Portanto, as empresas que se encontram em tal situação, com o passivo fiscal avantajado, dificilmente conseguirão arcar com os seus débitos fiscais, ficando, desta feita, inviável a exigência da prova de quitação dos débitos perante o Fisco. Isto ocorre porque a empresa em dificuldades prioriza como é o lógico e mais pertinente a ser feito, o destino de seus poucos proventos que ainda restam ao pagamento de seus empregados e fornecedores. Esta prioridade dá-se em virtude de manter a empresa em funcionamento. 
Todos sabem que uma empresa que não paga os seus funcionários, quanto menos os seus fornecedores jamais terão condições de continuar as suas atividades. Por isto prioriza-se o deslocamento das verbas restantes, em desfavor do Fisco. 
Portanto a maioria das empresas que passam por dificuldades econômicas, possui dívidas com a Fazenda, seja ela, municipal, estadual ou federal. Por isso, para o devedor é praticamente impossível apresentar certidões negativas de débitos tributários. 
O instituto da recuperação judicial foi inspirado no princípio constitucional da função social da empresa, que por sua vez, se coliga com o princípio da dignidade da pessoa humana. 
A empresa, na ordem constitucional vigente, tem ou deve ter uma função social, não podendo se prestar apenas à satisfação dos interesses do empresário. Acima destes, estão os postulados básicos da sociedade pretendida pelo constituinte, onde a empresa se encaixa como veículo para a livre iniciativa e livre concorrência, para a produção de riquezas compartilháveis, e para, sobretudo, a dignificação do ser humano, através da geração de empregos que permitam às pessoas valorizar-se pelo trabalho e pela renda por meio dele obtida. 
Nessa ordem de idéias, o instituto da recuperação judicial se apresenta como um mecanismo voltado à preservação de uma empresa que atende a uma função social e que, por circunstâncias acidentais, entra em crise econômico-financeira, mas que, apesar disso, se mostra viável dependendo apenas de ajustes em sua rotina administrativa e de algumas concessões por parte dos credores para se reerguer e voltar a operar de forma saudável para o mercado, mas ficando a mercê da tributação dos resultados positivos obtidos. 
Enfim, a exigência de apresentação de certidões negativas, na prática, equivale a impor ao empresário estar em dia com as obrigações fiscais, caso contrario inviabilizaria a recuperação judicial. 
Em suma a situação dos empresários e suas empresas se tornam mais difíceis e complexas, pois os mecanismos que a Lei de Falências dispõe acabam se inviabilizando, emperrando a tentativa de recuperação. Os efeitos são prejudicais para a economia do país e para a sociedade num todo. 
É indiscutível a necessidade social de uma alteração na lei de regência atual, isso não quer dizer que deva ser favorável a sonegação de impostos. E sim com o objetivo último de viabilizar a superação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora de serviços e bens destinados ao progresso e bem viver do ser humano. 
A solução deveria ser mais simples, altera-se a lei, mas nada é tão simples assim, haja vista, que até para corrigir esses equívocos, são altamente complicados e demandam de procedimentos e analises complexas, daí então somos socorridos por aqueles que acredito serem os verdadeiros imortais. 
Ao passo que no nosso ordenamento existam falhas, sobrepõe-se a qualidade dos órgãos superiores; “os imortais”, que encontram discernimento e ampla visão de sociedade; afinal este seria um de seus principais papeis, e espelhando esse seu papel, tem entendido que não adiantaria o principio da função social da empresa sem que se possa ser utilizado, entendendo que essa tal ordem preferencial versada na lei e de suma importância ao fisco, deixa claro o equivoco criado pelo legislador, e disso a jurisprudência tem rechaçado sistematicamente o uso de tal expediente por parte dos Governos, entendendo que há um mecanismo de negação ao contribuinte das garantias ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa. Afinal de contas, beneficiam a própria Fazenda, pois da empresa falida seria ainda mais difícil cobrar o passivo tributário. Melhor é que se recupere mesmo. Aliás, esse é o espírito da nova legislação falimentar, que considera a função social da empresa, que deve ser preservada. 
Percebemos que o melhor é seguir com a Lei na sua forma, abrir espaço para a recuperação das empresas e deixar que o judiciário decida quem tem o mérito, ou seja, cada qual com suas devidas atribuições, anseios e decisões. 


Marcelo Barbosa Da Silva
http://www.jurisway.org.br/

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