segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Recuperação Judicial e a necessidade de Negativas Fiscais.

Não é de hoje que o Brasil cria leis sem qualquer eficácia ou que perdem o seu sentido prático ao longo do tempo.
A Lei de Falências e Recuperação Judicial, depois de muita discussão, entrou em vigor no ano de 2005, trazendo à baila a visão de ser uma legislação moderna e que, acima de tudo, traria condições para que as empresas em dificuldades se recuperassem.
Observando algumas premissas, o empresário poderia buscar a proteção do Judiciário para negociar suas dívidas com todos os credores, sejam eles da esfera trabalhista, do mercado financeiro e os fornecedores.
O fisco, defendendo suas prerrogativas, obviamente não se curvou a tais condições, mantendo a sua própria política privilegiada de cobrança estabelecida na Lei de Execuções Fiscais e seus Programas de Parcelamentos, que mudam a cada Governo.
Portanto, com base nessa realidade, o fisco se intitulava “não sujeito aos efeitos dessa nova Lei de Recuperação Judicial”, eis que mantido seu regime próprio de relação com o contribuinte-devedor.
Dentro dessa realidade, geralmente, temos de trabalhar com dois planos: um ligado ao processo de Recuperação Judicial propriamente dito e outro, com regras próprias, para administração do passivo fiscal.
O art. 57 da Lei de Falências e Recuperação Judicial, por sua vez, bem como a Lei Complementar 118, ambas de 2005, determinam que para que haja a concessão do benefício da recuperação judicial, as empresas devem apresentar as negativas de débitos fiscais, o que invariavelmente não possuem, por óbvio, pois geralmente as primeiras obrigações que deixam de ser pagas são exatamente as fiscais.
Os juízes, na maioria dos casos, com bom senso, flexibilizavam tal exigência, por entender que o fisco possui os meios legais de cobrança e não estaria sujeito às regras da Lei de Recuperação Judicial. Esse posicionamento fora adotado, inclusive, no caso da Recuperação Judicial da Varig S/A.
No entanto, o Superior Tribunal de Justiça, por entendimento de seu Presidente, Ministro Ari Pargendler, defendeu a tese de que as empresas em Recuperação Judicial não estão isentas de apresentar certidões negativas, em decisão firmada no final do ano passado. No processo em tela, o referido Ministro suspendeu medida liminar da Justiça Paulista que havia obrigado o Banco do Brasil a liberar R$ 400mil a uma empresa em regime de recuperação judicial, sem exigir a certidão de regularidade tributária.
O Ministro afirma em sua decisão que a Lei 11.101/05 não contempla entre os meios de recuperação a utilização incondicionada de incentivos ou benefícios creditícios. O art. 52, II, da referida Lei dispensa a empresa submetida ao regime de RJ de apresentar certidões negativas para o exercício de suas atividades, exceto para contratação com o poder público ou para recebimento de benefícios e incentivos fiscais ou creditícios.
Concordo que o credor realmente não pode ser obrigado a financiar o devedor, em que pese as proteções legais ao credor extraconcursal, mas entendo que a Negativa Fiscal não pode ser exigida, como meio de coação, para a concessão do beneficio da Recuperação Judicial, seu deferimento ou até mesmo apresentação do plano.
Isso é totalmente incabível e fora da realidade da própria Nova Lei de Falências e Recuperação Judicial, que criou e modernizou mecanismos de recuperação e controle das empresas em crise, dando, inclusive, mais poder aos próprios credores.
A legislação, portanto, realmente é incongruente. A exigência da certidão negativa de débitos fiscais cria empecilhos ao objeto da Lei que é a Recuperação das empresas em crise, mantendo-se a atividade produtiva, a retomada dos negócios com o pagamento das dívidas, inclusive dos impostos, vencidos e vincendos.
Condicionar a exigência da negativa fiscal de empresa em dificuldade é sepultar a utilização da Lei de Recuperação Judicial por milhares de empresas no Brasil.

Fabricio Nedel Scalzilli
Advogado especialista na área de falências, Recuperação Judicial e Gestão de Crises.

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